Erros de cálculo no Extremo Oriente

5 de Dez de 2002

O Extremo Oriente foi palco de dois dramáticos erros de cálculo estratégico durante o século XX. Na década de 1940, o Japão imperial baseou toda a sua estratégia para a criação da Esfera de Co-Prosperidade Asiática na crença que os americanos poderiam ser forçados à mesa de negociação, desde que suas baixas ultrapassassem um certo nível. Mais de vinte anos depois, foi a vez de os americanos basearem a sua estratégia para a Indochina na crença que o Vietnã do Norte também poderia ser forçado a negociar quando o preço de sangue se tornasse muito alto. Nas duas ocasiões, a mesma premissa mostrou-se completamente equivocada.

No caso do Japão, esta estratégia podia ser justificada com base em uma análise do quadro político americano pós-Grande Guerra, especialmente por seu forte componente isolacionista. É perfeitamente razoável supor que o público e o Congresso americanos não aceitariam ir à guerra com o Japão meramente em defesa de distantes interesses estratégicos, por mais reais que fossem; dificilmente uma agressão às Índias Holandesas, à Malaia ou mesmo às Filipinas geraria o mesmo entusiasmo belicista visto em 1917. A ocupação da Indochina francesa já apontava neste sentido; Washington protestou (e secretamente estreitou ainda mais os seus laços com a Grã-Bretanha beligerante); mas a opinião pública manteve-se apática. Sob este ponto de vista, a estratégia japonesa baseava-se em uma análise correta do seu adversário.

Contudo, a peculiar estrutura quase-feudal do governo imperial japonês não permitiu que esta análise política servisse como diretriz para a formulação da estratégia militar. A Marinha Imperial preparou seus planos de guerra considerando somente aspectos militares do inimigo antevisto, ignorando completamente qualquer fator político em seus cálculos. A fixação de Yamamoto em um golpe de surpresa que deixasse a Frota do Pacífico americana hors de combat e o próprio brilhantismo tático do plano serviam como cortina de fumaça a ocultar o que era, afinal, um verdadeiro suicídio estratégico. Uma geração antes, a perda de algumas dezenas de vidas americanas foi considerada razão suficiente para um gigantesco esforço de guerra e a perda de dezenas de milhares de soldados na frente francesa. Um ataque que não apenas resultaria em grandes perda de vidas americanas, como ainda seria um duríssimo golpe contra o prestígio nacional dos Estados Unidos, certamente provocaria justamente o que a liderança política japonesa ainda tentava evitar: uma guerra que os americanos levariam até o fim, independentemente do preço de sangue que precisassem pagar.

Após Pearl Harbor, a estratégia japonesa continuou a ser a de tentar aumentar o custo da guerra para os americanos até um nível que estes se recusassem a pagar, para assim forçá-los à mesa de negociações. Daí resultaram os banhos de sangue em Guadalcanal e em tantas outras campanhas no Pacífico. Neste ponto, a estratégia japonesa passou a basear-se em uma análise completamente irreal da motivação americana. Para os japoneses, os Estados Unidos estavam em guerra por razões de realpolitik — o que não deixava de ser verdade. Assim, quando o custo ultrapassasse os benefícios, estadistas razoáveis iriam à mesa de negociações e o Japão poderia conseguir manter uma parte substancial de seus ganhos.

Mas, ainda que o governo americano estivesse motivado apenas por razões pragmáticas, o mesmo não se dava com o povo americano. Depois de Pearl Harbor, nenhum governo poderia esperar sobreviver a uma negociação de igual para igual com o inimigo. Mesmo que não se utilizasse a fórmula da rendição incondicional (que, no caso do Japão, foi de fato abandonada em 1945), a opinião pública americana não se contentaria com menos do que a derrota do inimigo no campo de batalha, qualquer que fosse o preço de sangue a pagar. Efetivamente, o Alto Comando japonês não soube incluir em seus cálculos estratégicos a sede de vingança americana e, em menor grau, a auto-percepção dos americanos como os libertadores da humanidade. Mesmo a realpolitik exigiria que a mancha no orgulho nacional fosse apagada com o sangue inimigo, graças à extrema importância do prestígio nacional durante períodos de paz.

Ironicamente, vinte anos depois coube aos americanos o mesmo erro de cálculo estratégico. O aumento da participação americana na segunda fase da Guerra do Vietnã baseava-se sempre na premissa que, a partir de certo ponto, o Vietnã do Norte enfrentaria custos excessivos em vidas e equipamentos e, então, iria à mesa de negociação.

Na verdade, o erro estratégico americano principiou por não reconhecer que, para os vietnamitas, a mesa de negociações era apenas outro campo de batalha da guerra, um campo de batalhas freqüentemente decisivas. Hanoi não ia à mesa de negociações para discutir um fim para a guerra, mas sim para continuá-la.

Mas a crença americana que haveria um custo excessivo em homens e máquinas para o Vietnã do Norte também era equivocada. Para os vietnamitas, tratava-se da continuação de uma dura guerra de independência; os líderes vietnamitas certamente concordavam com a máxima do revolucionário americano Patrick Henry (Give me liberty or give me death). Além disso, a ideologia comunista não priorizava a vida acima do Estado e de seus objetivos, mas justamente o contrário. A combinação dos dois fatores resultava em que simplesmente não havia preço alto demais a pagar pela libertação do Sul.

Tanto o Japão quanto os EUA, com vinte anos de diferença, cometeram essencialmente o mesmo erro: acreditar que o adversário estava abordando o conflito a partir da mesma estrutura axiológica. Nos dois casos, este erro foi causa integral da derrota. Constituem-se, assim, em verdadeiros case studies para a realização de cálculos estratégicos. Em um momento em que os EUA tornam-se definitivamente uma potência hegemônica e intervencionista em todo o mundo, uma vez mais o passado chama atenção para situações que continuam a ocorrer.

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LC, o Quartelmestre

Também conhecido como Luiz Cláudio Silveira Duarte. Escritor, poeta, pesquisador, jogador, polímata, filômata... está bom para começar.