Editorial
Em meio a uma pesquisa sobre a FEB, encontrei um livro muito interessante: Segunda Guerra Mundial, Um Balanço Histórico (Osvaldo Coggiola, org.; São Paulo: Xamã/USP, 1995). Trata-se de uma série de trabalhos apresentados em um simpósio com o mesmo nome, realizado na USP em 1993.
Chamou-me a atenção o fato que muitos dos autores presentes no livro são marxistas; vários são trotskistas. Como sempre, a análise marxista permite trazer insights interessantes ao estudo histórico. Havia grandes forças sociais em ação na 2ª Guerra, e o seu estudo muito contribui para a compreensão daquele conflito.
Mas há uma faceta da história marxista que me incomoda sobremaneira. Refiro-me ao determinismo, ao freqüente recurso à explicação teleológica, a toda a criação de uma explicação a priori do estudo do fenômeno. Não vou entrar aqui no grande debate entre historiadores, que se deve precisamente a estas características, mas elas chamam a atenção para um evento de grande interesse para a história da estratégia.
Na década de 1930, teóricos marxistas de todos os calibres viam o nazismo como um mero subproduto do capitalismo monopolista, quiçá um mero epifenômeno. Os constantes embates contra a “ameaça do Comunismo” eram vistos como a reação daquele capitalismo contra a revolução proletária em geral e a URSS (como “pátria dos trabalhadores”) em particular. Por sua vez, o conflito mudial que se avizinhava era visto como nada mais do que um round na luta interimperialista por mercados e recursos.
Esta análise levou diretamente à estratégia procurada pela URSS em 1939. Stalin preferia manter-se fora da guerra iminente; para isso, como a única ameaça concreta era a Alemanha nazista, nada mais simples do que entregar-lhe, sem luta, o que desejava. Daí o pacto de não-agressão de agosto de 1939, daí todo o grande acordo econômico pelo qual a URSS abasteceu a máquina de guerra nazista de 1940 a 1941. O raciocínio era simples: se os nazistas querem recursos, vão preferir consegui-los baratinho, sem luta, a pagando caro em uma dura guerra. Eles nada mais são do que capitalistas monopolistas, afinal.
A magnitude deste erro estratégico tornou-se violentamente aparente em 22 de junho de 1941. A URSS perdeu a paz e precisou lutar por quase quatro anos para ganhar a guerra, a um custo gigantesco em vidas e bens e com uma significativa ajuda material dos Aliados ocidentais — que a mesma análise apriorística indicava como os maiores interessados na derrota da “pátria dos trabalhadores”…
A falência de quase todos os regimes marxistas indica que o determinismo histórico não parece ser um bom guia para a política nacional. O exemplo da URSS de Stalin mostra claramente que ele é completamente inadequado para o cálculo estratégico e, como de costume, erros estratégicos cobram um preço exorbitante.
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