Privataria e prevaricação
Recentemente, tive a oportunidade de ler no Facebook uma mensagem pública, postada por um amigo, na qual ele comparava vários escândalos de roubalheira nas últimas décadas no Brasil. O principal, segundo o texto, seria a privataria tucana do governo FHC, que teria sido responsável por mais de cem bilhões de reais desviados. Em 11º lugar estava o mensalão, que teria sido responsável por cerca de 55 milhões de reais desviados.
Os valores apontados certamente são discutíveis – por exemplo, lembro que os ministros do STF avaliaram em 170 milhões o valor desviado pelo mensalão – mas, conquanto lancem já a suspeita que a lista foi maquiada, não são diretamente relevantes. Com efeito, é o fato do crime que enseja a persecução penal pelo Estado, seja o desvio de 55 milhões ou de cem bilhões.
Antes de prosseguir, uma nota. Segundo a Wikipedia, a expressão privataria foi cunhada por Elio Gaspari, e foi empregada no título do livro de Amaury Ribeiro Jr. (A Privataria Tucana, 2011) que empresta o nome ao escândalo citado por meu amigo. Ainda segundo a Wikipedia, diversos parlamentares tentaram instalar uma CPI sobre os fatos narrados no livro, mas o desinteresse do governo teria enterrado a ideia.
Mas vamos ao ponto. Suponhamos que as acusações sejam verdadeiras, e que tenha havido roubalheira generalizada nas privatizações realizadas pelo governo FHC. Tal fato certamente combinaria com as acusações, tão constantes quanto inespecíficas, que o ex-presidente Lula fazia ao seu antecessor, usualmente referindo-se à “herança maldita” que pesava em seu governo.
Ora, desde 1º de janeiro de 2003 Lula e seu partido tiveram todo o aparato do Estado em suas mãos. Tinham o apoio do Congresso, nomearam ministros para as cortes superiores e os ocupantes dos principais cargos do Ministério Público e das forças policiais. Por assim dizer, estavam com a faca e o queijo nas mãos.
Seria de se esperar que, às voltas com esta suposta “herança maldita” do governo anterior, que Lula lançasse mão de todo o poder do Estado para reverter este quadro. Mas não foi isso que se viu: a política econômica, por exemplo, continuou nas mesmas linhas. Se o Plano Real era tão calamitoso, por que não foi revisado, ou mesmo revogado?
Não houve um mar de denúncias ou uma enxurrada de inquéritos, muito menos uma enfiada de processos administrativos ou criminais – e, diga-se, a autoridade pública tem o dever de denunciar e apurar os delitos de que tenha conhecimento. Sequer foram perseguidos os administradores dos governos militares – estes ainda piores que os tucanos, pela ótica do novo governo.
Silêncio. Ficam as questões: se havia uma “herança maldita”, por que ela não foi identificada e combatida? Por que não houve processos e inquéritos? Por que as privatizações, se foram realizadas ao arrepio da lei, não foram anuladas?
As respostas ficam como exercício para os interessados.
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