Traições a jogadores e ao jogo

10 de Jan de 2014

Eu e meus amigos da Confraria Lúdica começamos nossa longa amizade em torno de mesas de 1914 - O Jogo da Diplomacia. Para quem não conhece, é um jogo inspirado na situação geopolítica da Europa às vésperas da Grande Guerra. Cada jogador representa uma das nações beligerantes do início do século passado e seu objetivo é dominar a Europa. O Diplomacia é um jogo no qual alianças e traições são o básico, e são explicitamente permitidas pelas regras.

Contudo, um de nossos confrades sempre jogava Diplomacia disposto a não trair uma aliança, ainda que a traição lhe fosse mais benéfica que a aliança. Essencialmente, ele não se incomodava que o seu aliado vencesse, desde que a aliança não fosse rompida.

Isso sempre me incomodou e tivemos discussões épicas sobre o assunto. Lembrei desta situação ao ler este artigo, e decidi reabrir o tópico.

O que caracteriza qualquer jogo é a existência do “círculo mágico”,  circunscrito pelas regras do jogo. Este círculo mágico é uma área cuidadosamente delimitada, dentro da qual as regras do jogo se aplicam e, talvez ainda mais importante, as regras do mundo real não se aplicam. A par desta característica, é necessário ter em mente que as regras do jogo definem completamente as atividades que podem ser realizadas. Assim, não é necessário proibir (por exemplo) virar a mesa ou roubar uma carta do oponente — se a regra não diz que estas ações são aceitáveis, ipso facto não podem acontecer.

Por outro lado, as regras de um jogo compreendem não apenas as regras formais e escritas, como também as regras, digamos, de conduta que o jogo exige. Assim, é antitético à maior parte dos RPGs que um dos jogadores procure “vencer” a partida e fazer os outros “perderem”. O mais das vezes, o RPG é um esforço cooperativo, e sequer faz sentido falar em vencê-lo ou perdê-lo.

E então voltamos ao ponto do Diplomacia. Meu confrade violava uma das premissas básicas do jogo — a de que cada um dos jogadores estava lá para maximizar suas chances de vitória, se necessário às expensas dos adversários. É o mesmo problema que o autor do artigo acima menciona: isso é tratar um jogo competitivo como um jogo cooperativo.

O problema não está na cooperação — está no ponto em que isso conflita com as regras não formais do jogo. Essencialmente, o círculo mágico se rompia, pois uma das pessoas que nele entrava não o aceitava. E, desta maneira, estragava o jogo para os que tentavam entrar no círculo.

É uma pena que, à época em que jogávamos Diplomacia, ainda não conhecíamos os jogos cooperativos. O erro também era nosso em insistir que alguém que não gostava deste tipo de jogo o jogasse. Mas, em parte pela teimosia e arrogância da idade, e em parte pela falta de bons jogos ao nosso alcance, era isso que fazíamos. Hoje minha coleção de jogos está maior e mais diversificada, e procuro tomar muito cuidado de adequar o jogo escolhido às preferências dos jogadores.

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LC, o Quartelmestre

Também conhecido como Luiz Cláudio Silveira Duarte. Escritor, poeta, pesquisador, jogador, polímata, filômata... está bom para começar.