Vida em outros planetas

15 de Out de 2015

A motivação para este texto veio de uma notícia recente sobre resultados das investigações do telescópio espacial Kepler.

Conversando sobre a matéria, um amigo perguntou: “Será que vamos morrer antes de encontrarem evidência de vida lá fora?”

Minha resposta: “Provavelmente”. Por que penso isso?

Vamos começar da base. Vou aqui definir “vida”, de forma simplista, como “organizações de moléculas que conseguem se reproduzir”. Acredito que seja extremamente comum encontrar, no cosmos, locais onde este tipo de fenômeno ocorre.

Vírus são fenômenos alcançados por esta definição, bem como organismos mais avançados, como bactérias. É possível que encontremos sinais de semelhantes fenômenos em nosso sistema solar, e suspeito que a tecnologia de detecção possa ser aperfeiçoada o bastante para podermos identificá-los em outros sistemas.

Ocorre que, por mais que a descoberta de bactérias em Europa ou em Tau Ceti fosse um evento científico de grande interesse, ela não chegaria a satisfazer a sede que aquela pergunta revela. Porque o que queremos não é apenas “vida”, mas “vida com a qual possamos nos comunicar”.

Descobrir exobactérias seria formidável, mas de forma geral bactérias são péssimas interlocutoras.

Claro que isso aumentaria a nossa percepção da probabilidade que existam formas de vida mais avançadas. Se nós saberíamos identificá-las como tal é outro problema. E fica, claro, a questão da comunicação.

Nós conseguimos nos comunicar com vários animais em nosso planeta. É uma comunicação incipiente, que não expressa muito mais do que “gosto de você” ou “estou com fome”. Alguns humanos alcançam uma capacidade maior de comunicação, e alguns destes querem ter mais interlocutores. Normal; como Robert Heinlein observou, falar é um dos três grandes prazeres da vida, e o único que nos distingue dos macacos.

Falando em termos físicos, nossa capacidade de comunicação começou a se desenvolver quando passamos a atribuir significados a vibrações na atmosfera. Esta forma de comunicação gerou sucedâneos apoiados em modulações de algumas faixas do espectro eletromagnético, às quais atribuímos significados atrelados aos que antes atribuíramos às vibrações da atmosfera.

É possível que nós tenhamos um certo antropocentrismo em supor que modulações do espectro eletromagnético sejam uma boa forma de comunicação. É possível conceber comunicações por outros meios; por exemplo, nossas sinapses transmitem informação por meio de reações químicas.

Mas vamos supor que encontremos, de alguma forma, organizações de moléculas que conseguem se reproduzir, que tenham um meio de comunicação que consigamos identificar como tal, e que consigamos manipular o suficiente para atribuir significados a estas manipulações — sempre torcendo para que os significados que atribuirmos tenham uma correspondência mínima com os significados que os alienígenas lhes atribuem.

Vencidas todas estas barreiras, acho que uma certa melancolia seria o resultado de descobrir que os alienígenas estão dizendo “gosto de você” ou “estou com fome”.

Nós queremos mais do que isso. Nós não queremos apenas “vida com a qual possamos nos comunicar”, mas “vida com a qual possamos nos comunicar e que tenha autoconsciência”. Nós queremos fazer perguntas do tipo “o que é importante para vocês?”, ou “que técnicas vocês usam para viajar pelo cosmos?”

Nós queremos perguntar se eles têm religiões, e nós queremos perguntar se eles têm provas da existência de uma divindade.

Por que tudo isso? Porque nós queremos validar a nossa autoconsciência. Para o bem ou para o mal, nós precisamos de um Outro, para nos definirmos. Nós queremos que alguém venha e valide as nossas ideias e os nossos ideais, ainda que pela oposição e não pela aprovação.

Nossa história também mostra que nós vamos fazer o possível para destruir o Outro.

Recentemente, em uma atividade em sala de aula, uma colega viu a descrição de uma personagem das histórias sobre o rei Arthur. A descrição definia a personagem como “esposa de Sir Lancelot”. Minha colega ficou indignada e surpresa: “Como assim, ela é definida por ser esposa de um homem?” Claro que era este o costume no século XIII, mas não é este o ponto aqui: minha colega percebe que uma mulher não precisa de um homem para lhe dar sua definição — seu significado.

Nossa autoconsciência é, ao fim e ao cabo, a capacidade de atribuir significados a fenômenos. Nós atribuímos significados ao que nos cerca, e a nós mesmos. Mas estes significados não são intrinsecos a estes fenômenos. O Sol continuará a irradiar, quer seja chamado de uma estrela classe G2V ou de Amun-Ra.

Da mesma maneira, cada um de nós continuará sendo a mesma massa de moléculas organizadas, quer seja chamado “homem”, “marido”, “petista” ou “chefe”.

É o espírito humano que cria significados. É o espírito humano que nos permite alçar os olhos a abarcar todo o cosmos com o nosso olhar. Qual o significado do cosmos? Ainda não lhe atribuímos um, ainda não chegamos lá. Ainda estamos muito ocupados atribuindo significados aos fenômenos mais próximos.

Nós somos um átimo de um instante infinitesimal na duração do cosmos. Não faz diferença. Da mesma maneira que eu posso perceber um lampejo fugaz no olhar da minha amada e conhecer toda uma vida nele, nós conseguimos alçar os olhos para o cosmos e conhecê-lo o bastante para fazer poesia.

Também conseguimos sujar o nosso próprio lar, até que nos afoguemos em nossos próprios venenos. Há uma boa chance que o último termo da equação de Drake logo tenha uma instância conhecida, e não será um valor otimista.

Enquanto isso, continuo alçando os olhos e ouvindo estrelas.

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LC, o Quartelmestre

Também conhecido como Luiz Cláudio Silveira Duarte. Escritor, poeta, pesquisador, jogador, polímata, filômata... está bom para começar.