Protestando
No dia 13 de março, estive nas ruas mais uma vez para protestar contra os crimes cometidos por nossos governantes. Naquele dia e nos dias que se seguiram, houve muitas outras manifestações por todo o Brasil, algumas em favor do governo.
O grande número de pessoas que foi às ruas no 13 de março ainda não se repetiu. Mas não há dúvida de que as manifestações políticas naquele dia foram um fato político extremamente relevante. Vou fazer um exercício de especulação: suponho que, em um país da Europa ocidental, berço do nosso modelo de Estado, um protesto que levasse às ruas estas multidões seria tratado por seus governos como sinal de que algo vai muito mal.
Para surpresa de ninguém, as respostas dos nossos governantes e dos que os apoiam não foram neste sentido, mas em outros dois. Primeiro, a presidenta e outros ocupantes de cargos públicos saudaram a democracia evidenciada nas ruas, de forma bastante protocolar.
Com a devida vênia à nossa presidenta, isso consegue ser ainda menos que dizer o óbvio ululante de Nelson Rodrigues. Nossa democracia tem pouco menos de trinta anos, é verdade, mas é uma democracia firme, com instituições plenamente funcionais — as eleições são livres, já destituímos um presidente, e nossos tribunais funcionam tão bem que sua sombra atemoriza até mesmo ex-presidentes.
Ao invés de saudar a mesma democracia que a colocou onde está, a presidenta deveria ter oferecido algum tipo de satisfação ou explicação à nação que governa. Preferiu a bofetada, e já está arcando com as consequências.
Mas minha preocupação maior é com a outra resposta apresentada às manifestações do 13 de março. Esta resposta apareceu, mais ou menos ostensiva, sob muitas formas. Vou me ater, aqui, à expressão que o prof. dr. Sérgio Salomão Shecaira deu a esta resposta, em ato realizado na USP, em 17 de março.
Chamo a atenção para sua fala aos 14:05:
Não me importa, pra mim, que no domingo passado, na avenida Paulista, tenham feito a maior manifestação branca da História. A maior manifestação norueguesa, francesa, sueca… mas não tinha nada de brasileira. E eu digo por quê. Porque metade da população brasileira, que é uma população negra, não estava lá.
A resposta aos que se manifestaram no 13 de março é, assim, desqualificá-los. Afirmar que o que dizem não tem valor e não merece ser levado em consideração. Em algumas versões, quem foi se manifestar no 13 de março estava lá a mando de conspirações golpistas e midiáticas.
No caso desta versão da desqualificação, o prof. Shecaira incorre em vários erros, tanto mais tristes por sua condição pessoal de reconhecido jurista e professor de uma das universidades mais prestigiadas do país.
Afirmar que a manifestação de brasileiros — não noruegueses, não franceses, não suecos! — não merece crédito em razão da distribuição étnica dos manifestantes é juridica e factualmente absurdo. Eu espero que uma ação coletiva de meu sindicato não seja rejeitada liminarmente se os representados não incluírem metade de pessoas negras.
Pessoas brancas de classe média têm tanto direito de se manifestarem quanto quaisquer outras, qualquer que seja a sua etnia ou condição social. É o que diz a nossa Constituição, a mesma que o prof. Shecaira brada violada por um juiz no exercício de sua função.
Não faço ideia de qual é a distribuição étnica dos professores da Faculdade de Direito da USP. Pelas imagens que vi, suspeito que mesmo a plateia do prof. Shecaira não tinha uma distribuição étnica como a que ele exigiu para os manifestantes de 13 de março. Isso é tão irrelevante para a sua manifestação em um auditório acadêmico quanto para a do dia 13 de março nas ruas.
Eu e muitos outros ainda voltaremos às ruas. Nossos governantes podem fingir que isso é normal, e os seus defensores podem nos desqualificar. Não faz diferença. Nossa voz se faz ouvir, mesmo por quem enterra a cabeça no lodaçal.
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