Duas tragédias
Há duas tragédias cujo pivô está no Palácio do Planalto. Uma delas é ostensiva, vitimiza o país todo, e mais um ato dela vai se desenrolar no plenário da Câmara amanhã.
A outra tragédia é mais sutil. É pessoal, não nacional. A presidenta Dilma foi ostensivamente, por duas vezes, a candidata do PT à presidência. Mas ela nunca foi uma liderança no partido — como não tinha sido no PDT.
O PT, fundado em meio a tantas esperanças, tornou-se em sua segunda década o braço político de um projeto pessoal. Neste ponto, lembra o PRN de 1989; mas a diferença é que, ao contrário de Collor, Lula soube imprimir a sua versão do culto de personalidade a seu partido. Hoje, o PT e Lula são indissociáveis.
Após os expurgos da década de 1990 e após o mensalão, já não há, entre os comandados por Lula, ninguém com luz própria. Para um partido que supostamente teria tantas propostas, e ficando em apenas um exemplo, é triste constatar que as manifestações de seu presidente, já há muito tempo, resumem-se a defesas inconsistentes de Lula e seus comandados, ou a ataques incoerentes contra seus desafetos.
Dilma, assim, não pertence a um partido, mas a uma pessoa. E a tragédia é que Lula já comprovou, muitas vezes, que sacrifica qualquer um se isso lhe for conveniente.
Leio na Folha uma reportagem, segundo a qual o líder do PT na Câmara, que supostamente está defendendo a presidenta, indica que o impeachment fortaleceria o partido e as chances de Lula em 2018.
Outra reportagem informa que altos assessores de Dilma estariam lhe vendendo a ideia de renunciar, juntamente com o vice-presidente, para que novas eleições fossem convocadas. Supostamente, a presidenta teria simpatia pela ideia.
O problema é que, caso esta dupla renúncia acontecesse, tanto Dilma quanto Temer estariam inelegíveis. Assim, este cenário não seria minimamente do interesse dele. Mas seria, claro, extremamente interessante para Lula. Se é verdade que Dilma vê com bons olhos esta ideia, isso mostraria cabal e definitivamente o seu papel de laranja da República.
A tragédia de Dilma foi acreditar que ela foi escolhida por Lula para ser a presidenta da República. Ela foi escolhida para guardar-lhe o lugar, uma versão mais canalha do vou ali e já volto de tantas filas do cotidiano.
A tragédia de Dilma foi achar que o PT trabalharia com ela e por ela.
A tragédia de Dilma foi achar que, só por ser a presidenta, todos a obedeceriam.
A tragédia de Dilma muito se aproxima das tragédias gregas, nas quais o protagonista enlouquece de soberba — a húbris dos gregos — e os deuses deixam que ele se julgue cada vez mais alto, para enfim derrubá-lo e destruí-lo.
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