Os votos declarados
Agora que uma parte das paixões já serenou, quero aproveitar para comentar um dos fatos mais noticiados e discutidos do processo de impeachment da presidenta Dilma. Refiro-me à votação, no plenário da Câmara dos Deputados, no dia 17 de abril, quando nossos representantes declararam a admissibilidade do pedido de impeachment.
O voto nominal dos deputados foi transmitido pelos canais de TV aberta, e ultrapassou os 50 pontos de audiência (somando todas as emissoras).
Muitos puderam ver, pela primeira vez, quem são os nossos representantes, e como se comportam no plenário para o qual os elegemos — especialmente quando sabem que estão aparecendo para seus eleitores.
Quase todos os que assistiram ao espetáculo ficaram chocados com alguma coisa. Os comentários, durante a votação e nos dias que se seguiram, mostraram claramente uma grande rejeição ao comportamento público dos que elegemos.
Não vou tratar de todas as críticas, mas quero aqui tratar de duas delas:
Quase nenhum deputado deu um motivo para aceitar o processo. Falaram na educação que receberam, na honra, no exemplo que têm que dar para os filhos, mas isso não tinha nada a ver com o processo.
A crítica não procede. A chamada instrução do processo, que é a fase na qual acontece a discussão do seu conteúdo, já tinha acontecido. Ela aconteceu, em profundidade, na comissão especial que, a partir de 17 de março, e por quase um mês, analisou o pedido que iniciou o processo.
No plenário, ela aconteceu na sessão que começou na manhã de 15 de abril, sexta-feira. A sessão durou 43 horas, e houve 389 manifestações na tribuna e no microfone do plenário. Discutia-se, justamente, o cabimento ou não do processo.
Ninguém viu este debate, pois as emissoras de TV mostraram apenas alguns momentos dele. Mas era este o momento de os deputados discutirem e apresentarem seus pontos de vista sobre o processo.
No dia 17, na sessão de votação, não havia necessidade de prosseguir o debate. Era o momento de declarar o voto. Foi o que fizeram os deputados.
Quanto a suas motivações pessoais: elas são relevantes! Eu quero saber, dos representantes que mereceram o meu voto, o que os leva a agir. É importante, para mim, saber que o deputado A pensa no exemplo que quer dar a seus filhos, que o deputado B quer fazer apologia a criminosos, que o deputado C quer ofender todos os que dele discordam.
Encerrando o comentário a esta crítica, um último ponto: deputados não são juízes, e seus votos não são sentenças. Um juiz deve, por força de lei, expor em sua sentença a fundamentação da sua decisão. Um deputado não tem que fazer isso — e, considerando que há 513 deputados, isso sequer seria prático. Cobre do seu deputado a fundamentação do voto dele, é direito seu saber disso. Mas isto não é assunto do plenário.
Que vergonha! Bando de gente chula! Ninguém com espírito cívico! Só pensam em si mesmos e nos eleitores dos seus curraizinhos eleitorais.
As críticas desta natureza são procedentes. Muitos deputados são pessoas sem classe , muitos pensam antes e si e nos seus do que no seu estado ou no nosso país, muitos sequer têm ideia do impacto de tantas decisões que tomam, ou dos seus deveres.
Mas é necessário atentar: quando há uma eleição, nós não elegemos estadistas, nós elegemos políticos.
Nós elegemos colegas de profissão, que prometem ajudar a nossa categoria a conseguir aumentos.
Nós elegemos sacerdotes da nossa orientação religiosa, que prometem agir conforme os seus preceitos.
Nós elegemos os filhos de políticos tradicionais locais, que prometem continuar a tradição de família.
Nós elegemos pessoas que consideramos ser do mesmo grupo minoritário que nós, que prometem se ocupar desta minoria.
Nós elegemos o líder comunitário, que quer garantir verbas para a nossa comunidade.
Nós elegemos políticos, e nos queixamos que política não deve ser profissão.
Nós damos nosso voto pensando em nossos interesses pessoais e locais, e reclamamos que “nenhum político pensa no país”.
Nós elegemos pessoas com pouca instrução, e nos indignamos ao ver políticos que mal conseguem ler em voz alta seus termos de posse e nunca leram a Constituição.
Nós vamos às urnas de má vontade, reclamando da obrigatoriedade do voto e da obrigatoriedade do trabalho nas seções eleitorais.
Nós anulamos o voto, achando que isso é um protesto.
Nós elegemos pessoas que não conhecemos e que não nos conhecem, e as ignoramos por quatro anos.
A Câmara é o nosso espelho.
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