Igualdade
Recentemente, os canais de TV estão exibindo uma propaganda oficial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na qual se deplora o fato de serem as mulheres 51% da população, mas menos de 10% dos políticos. A propaganda não apenas pretende incentivar mulheres a se tornarem políticas, mas ainda declara, explicitamente, que isso aperfeiçoaria a democracia — deixando implicito, claro, que a situação atual é menos que democrática.
Minha questão: independentemente da justeza destas duas últimas declarações, a explícita e a implícita, por que o TSE escolheu apenas a categorização por sexo como alvo de sua campanha?
A população do nosso país pode ser dividida segundo outros critérios. Tomando, para começar, um dos mais populares, e a partir dos dados do censo de 2010, disponíveis nas páginas do IBGE, temos em nossa população 45,7% de pessoas não-brancas (pretos, amarelos, pardos e indígenas). Não vou me dar ao trabalho de procurar dados sobre a demografia racial dos políticos, mas acho improvável que os mesmos números se repitam.
Digamos, então, que a nossa democracia estará aperfeiçoada quando 51% dos políticos forem mulheres, e 45,7% dos políticos forem não-brancos.
Bem… os dados do censo também indicam que 31,2% das mulheres não têm filhos, e nunca os tiveram. Então, e aplicando o mesmo princípio, entre aqueles 51% das políticas precisamos que quase um terço sejam mulheres que nunca tiveram filhos.
Aliás, a proporção de mulheres não-brancas é maior que a proporção de homens não-brancos (51,5% e 44,3%, respectivamente). Então, aquela divisão dos políticos também tem que refletir isso.
Mas… a proporção de mulheres com filhos também muda, conforme o domicílio (rural ou urbano) e conforme a raça.
(…)
Acho que não preciso continuar. O problema com a propaganda do TSE é que ela parte de dois pressupostos, não declarados, e completamente irreais: o de que a categorização por sexo é relevante para a atividade política, e que a atividade política de mulheres e de homens é distinta.
Afirmar o primeiro pressuposto exige uma resposta à questão: por que é relevante? O que torna a categorização por sexo politicamente relevante, mas não a categorização por cor dos olhos? Ou a categorização destros/canhotos? Ou a categorização por nível de proficiência em polonês?
Afirmar o segundo pressuposto é lutar contra os fatos. Não se nota qualquer diferença entre a atuação política de mulheres e de homens. Nos dois casos, existem políticos sérios, preguiçosos, inócuos, criminosos, incompetentes.
Agora substitua políticos por pessoas nesta última frase.
A democracia se fundamente no magnífico princípio da igualdade. Este princípio não afirma que todos são iguais; sabemos que não são. Este princípio afirma que todos são iguais perante a lei! Isso quer dizer que a lei somente pode distinguir com base em um fundamento pragmático, empírico, factual.
Promover e incentivar as desigualdades — de qualquer categoria — para assim pretender aperfeiçoar a democracia é no mínimo insensato.
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