O analfabeto político de conveniência
Luiz Ruffato escreve sua coluna na edição brasileira de El País, já há algum tempo. Ele tem sistematicamente condenado o processo de impeachment da ex-presidenta Dilma e muitas das ações contra o ex-presidente Lula, utilizando recorrentemente o termo “fascista” para referir-se aos atos e pessoas que condena.
Em coluna publicada no dia 5 último, ele lamentava os resultados das urnas, na eleição municipal. Na coluna de ontem, ele traça um perfil do analfabeto político :
O analfabetismo político viceja onde falta consciência política e consciência política é a relação vital que se estabelece entre mim e meu próximo. O analfabetismo político é o desinteresse manifestado pelos cidadãos para o rumo que a classe dirigente empurra a sociedade. Esse desinteresse se dá por ignorância ou por arrogância ou, pior ainda, por uma mescla de ignorância com arrogância. Nada pior para um país do que indivíduos que desdenham da política governados por políticos que desdenham dos indivíduos este é o espaço privilegiado para a expansão da mentalidade fascista.
Ele não faz diretamente a ligação entre seu artigo da semana passada e o desta; mas, no parágrafo citado acima, o texto sobre o rumo empurrado pela classe dirigente remete a uma reportagem em El País sobre os riscos da PEC 241/2016. Vou supor que sua manifestação sobre os analfabetos políticos resulta, ainda, de sua insatisfação com os resultados das eleições municipais.
A expressão “analfabeto político” é frequentemente atribuída a Bertolt Brecht, mas não há registro contemporâneo de que ele tenha dito ou escrito esta frase; a primeira vez em que é mencionada foi mais de trinta anos após sua morte, sem indicar a origem da atribuição ao dramaturgo alemão.
Continuo a suposição que os analfabetos políticos de Ruffato sejam os eleitores que, majoritariamente, ignoraram os candidatos de esquerda nas eleições. Em seu entender, as únicas causas para isso são a ignorância ou a arrogância.
É voz corrente no pensamento esquerdista que a população, chamada a escolher o seu destino, inevitavelmente escolherá o rumo certo : as propostas progressistas, sempre identificadas com a esquerda. Quando isso não acontece, a população foi “manipulada por forças sombrias a serviço da classe dominante”. No Brasil, recentemente, estas forças sombrias são usualmente identificadas com os media monopolistas e golpistas .
Analisando em termos formais, este raciocínio é completamente falacioso: não apenas cria um argumento circular, como ainda parte de considerações apriorísticas — que são, na verdade, artigos de fé.
Saio da análise formal e procuro analisar empiricamente este “raciocínio”. Desde a Constituição de 1988, os partidos de esquerda conheceram um crescimento gradativo em seu eleitorado. Isso culminou com as duas eleições de Lula e a primeira de Dilma para a presidência, mas a segunda eleição de Dilma já mostrava uma inflexão para baixo nesta tendência.
Se aceitamos a tese segundo a qual o eleitor “esclarecido” vota inelutavelmente na esquerda , podemos concluir que, ao longo da última década do século XX, e da primeira década do século XXI, cada vez mais eleitores brasileiros tornaram-se esclarecidos.
Ainda segundo esta tese, esta massa de eleitores deixou de ficar esclarecida em 2016, vitimizada pela campanha da classe dominante que emprega os media monopolistas para imbecilizá-la e transformá-la novamente em uma massa de analfabetos políticos.
Ou seja: segundo esta tese, os eleitores brasileiros ficaram progressivamente mais inteligentes entre 1990 e 2010, mas de 2014 em diante ficaram subitamente imbecilizados por uma conspiração de proporções gigantescas.
Não apenas insulta e menospreza todo o povo brasileiro, como ainda passa um atestado de imbecilidade e de incapacidade às esquerdas que conseguiram “conscientizar” o povo, chegar ao poder, manter-se nele por mais de uma década… mas que foram incapazes de prevenir ou combater a nefasta conspiração.
Por favor: deixem de insultar a nossa inteligência, e, acima de tudo, assumam a responsabilidade por seus atos e suas consequências. Não é preciso ser um letrado político para sentir o fedor de podridão que emana destes raciocínios .
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/12/opinion/1476230367_289900.html
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