Os refugiados e as portas fechadas

29 de Jan de 2017

Começo este texto com uma lembrança histórica.

Em julho de 1938, uma conferência internacional aconteceu na cidade francesa de Évian-les-bains. A conferência foi uma iniciativa do governo dos EUA, e as principais nações democráticas do mundo enviaram representantes.

O aprazível local, uma das estações de águas mais imponentes da França, permitia aos delegados se distraírem da urgente gravidade do tema da conferência.

A conferência fora convocada para discutir a questão dos refugiados judeus.

A perseguição nazista aos judeus já estava em pleno funcionamento na Alemanha, embora nesta altura o Holocausto ainda não estivesse sendo implementado. Outros países, especialmente no Leste europeu, também implantavam políticas de perseguição aos judeus. Dezenas de milhares de refugiados procuravam asilo em outros países, especialmente nas grandes democracias.

Nos EUA, o governo de Franklin D. Roosevelt, do partido Democrata, estava propositalmente ignorando a lei de imigração, e as quotas de imigração não estavam sendo preenchidas, apesar da situação desesperada dos judeus. Essencialmente, o que Roosevelt queria com a conferência era que outros países aceitassem receber os judeus.

Por sua vez, o Reino Unido, tendo Neville Chamberlain como primeiro-ministro, administrava a Palestina. A política britânica criava todo tipo de entrave à imigração de judeus para a Palestina, e Londres não via motivos para mudar.

Antes da conferência, um acordo de cavalheiros entre Washington e Londres acertou que, na conferência, nem as quotas de imigração americanas e nem a imigração para a Palestina seriam discutidas.

Roosevelt não mandou um representante oficial para a conferência, e sim um empresário amigo seu.

Os delegados passaram dez dias na bela cidade, e o resultado foi que a Costa Rica e a República Dominicana aumentaram suas quotas de imigração. Nenhum outro país quis se comprometer com isso. A falta de resultados significativos tornou-se um grande golpe de propaganda para os nazistas (“nenhum país aceita os judeus porque são sub-humanos”).

Fim da lembrança. Os EUA estão, mais uma vez, se cobrindo com o manto do isolacionismo, ao mesmo tempo que querem que outros arquem com os custos de suas políticas. Os judeus refugiados de 1938 foram parte dos motivos que levaram à criação de Israel, hoje parte do problema e não da sua solução. O Reino Unido ameaça retornar a seu esplêndido isolamento.

A Alemanha, conduzida por Angela Merkel, tenta abrir os braços para os refugiados… mas a primeira-ministra, que cresceu sob uma das grandes ditaduras do século XX, corre sério risco de perder o cargo nas próximas eleições.

Em Évian-les-bains, a representante dos refugiados, Golda Meir, não foi ouvida e não pôde participar oficialmente da conferência. Hoje, ninguém fala pelos refugiados da Síria e de muitos outros lugares.

As lâmpadas estão se apagando por todo o mundo; não sei se as veremos acesas novamente em nossas vidas.

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LC, o Quartelmestre

Também conhecido como Luiz Cláudio Silveira Duarte. Escritor, poeta, pesquisador, jogador, polímata, filômata... está bom para começar.