ENEM e matemática
Leio matéria sobre uma análise dos temas abordados em provas passadas do Enem. Ocorrem-me alguns comentários.
Primeiro, apesar do que afirma o subtítulo da matéria (“Temas do ensino fundamental são os mais comuns”), o texto da matéria fala em conteúdo do ensino fundamental apenas na matemática.
É verdade que, em muitas outras disciplinas, o ensino médio retoma e, às vezes, aprofunda assuntos que já foram estudados no ensino fundamental.
O caso da matemática é um tanto diferente, pois o currículo desta disciplina pressupõe uma progressão do conhecimento. (Os ditames da “nova matemática”, que impera desde meados do século passado, criam problemas todos próprios.)
Ocorre que cobrar preferencialmente o conhecimento matemático do ensino fundamental mostra a completa falência do sistema curricular desta disciplina. Ao final da matéria, o professor convidado a comentar a pesquisa diz que a prova de matemática do Enem procura se concentrar nos assuntos que têm a ver com o cotidiano dos candidatos, e por isso há poucas questões sobre geometria analítica e sequer aparecem questões sobre matrizes ou determinantes.
Mas também se poderia dizer que questões sobre organização científica do trabalho (Sociologia) não têm qualquer relevância para o cotidiano dos candidatos. Ou questões sobre mecânica ondulatória (Física), ou atomística (Química), ou quase tudo da História.
É claro que esta pesquisa foi feita para balizar o treinamento robótico de cursinhos. Mas ela revela, na verdade, a visão dos criadores das questões e dos organizadores das provas.
Para além do que falei, acima, sobre a Matemática, esta pesquisa revela que, para os responsáveis por estas provas, a Idade Média é pouquíssimo relevante (em História e em Filosofia), perpetuando o mito de que a Idade Média foi uma idade de trevas; que, para eles, a ditadura de 1964 é muito mais relevante do que a história da República desde a redemocratização; que a ideologia é mais importante que as desigualdades sociais…
Ela revela, enfim, que o nosso ensino (e não falo apenas do ensino médio) está completamente dissociado da realidade, e apegado ao que erradamente se chama de uma “visão crítica” do conhecimento — erradamente porque a “visão crítica” não admite que os seus postulados, axiomas, preconceitos e conclusões sejam questionados (e deixo claro que não falo apenas da visão “esquerdista” das Humanidades).
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