Aula na Psicologia

30 de Ago de 2017

No dia 15 de junho de 2016, a convite do prof. Adriano Holanda, ministrei uma aula no departamento de Psicologia (UFPR), no encerramento da disciplina Fenomenologia 3.

O tema geral da disciplina eram dinâmicas de grupo. Adriano é meu amigo há anos, e um dos mais antigos membros da Confraria Lúdica; durante um almoço, tivemos a ideia de usar jogos para evidenciar diferentes dinâmicas de grupo.

Inicialmente, eu estava tendendo a usar vários jogos, cada um deles mostrando diferentes dinâmicas. Este foi o método que usei em um curso de extensão sobre jogos cooperativos, do qual resultou um artigo publicado no SBGames 2015. Pensei em vários jogos: Two Rooms and a Boom, Ultimate Werewolf, Haggle,… havia possibilidades interessantes em cada um deles.

Mas um pouco de reflexão mostrou que este formato seria completamente inadequado para uma atividade de uma hora e meia. A explicação das regras de cada jogo, bem como seus preparativos, me tomariam bem quinze minutos. Três jogos consumiriam metade da aula sem qualquer conteúdo. Eu teria que escolher apenas um jogo, e quanto mais simples melhor. O Ultimate Werewolf se prestaria bem a este papel, e eu o selecionei.

Comecei a preparar o material. O jogo tem três papéis básicos (humano, adivinho e lobisomem), e dezenas de papéis adicionais (prefeito, vampiro, maçons, …). O papel de cada jogador no jogo é determinado por uma carta. Como a minha edição está em inglês, eu tinha que providenciar traduções para cada um dos papéis.

Durante esta preparação, percebi que eu estava caindo na mesma armadilha. A turma teria cerca de 40 alunos. O Ultimate Werewolf permite que mais de 60 pessoas joguem, então por este lado não havia problema. Mas explicar vinte ou trinta diferentes papéis, tirar as dúvidas durante as partidas, e controlar quarenta pessoas simultaneamente, tomaria tanto tempo que eu mal conseguiria realizar uma partida no tempo da aula.

Restringir o jogo apenas aos papéis básicos implicava em não poder jogá-lo com toda a turma ao mesmo tempo. E eu percebi que isto seria uma vantagem! Eu poderia jogar uma partida com alguns alunos, com os demais assistindo  e portanto sabendo tudo o que acontecia, ao contrário dos jogadores – e isso facilitaria o debate após cada partida.

Fixei-me assim neste formato: a turma seria dividida em quatro grupos aproximadamente iguais, e cada grupo jogaria uma partida, enquanto os demais observariam. Após cada partida, toda a turma discutiria as diferentes dinâmicas presentes na partida recém-encerrada.

Meu último preparativo foi conversar com Adriano e pedir-lhe que participasse de todas as partidas. Em especial, eu lhe dei instruções para que agisse de forma ligeiramente diferente em cada uma delas…

No dia da aula, Adriano me apresentou à turma, e eu dei uma rápida explicação sobre como seria a aula. Pedi que arrumassem as cadeiras em dois círculos concêntricos: o círculo interno, para os participantes do grupo que estivesse jogando, e o círculo externo, para os demais alunos. Também informei que Adriano, como professor, participaria de cada uma das partidas. Após a arrumação, expliquei as regras e o primeiro grupo começou a jogar.

Uma partida de Ultimate Werewolf opõe duas equipes: humanos e lobisomens. A história do jogo é que uma pequena aldeia está sendo vítima de uma praga de licantropia; alguns dos habitantes da aldeia, secretamente, são lobisomens. No início do jogo, cada jogador recebe uma carta, indicando se ele é um humano ou se ele é um lobisomem. A carta é mantida em segredo. Um dos humanos é um adivinho, que pode tentar descobrir quem são os lobisomens – mas, se ele revelar seu poder, certamente será vitimado pelos lobisomens.

No início do jogo, os lobisomens descobrem quem são seus colegas; mas os humanos não sabem, dentre o grupo de jogadores, quem é lobisomem e quem é humano. Os lobisomens precisam agir de forma a não levantar suspeitas, e fingem ser humanos.

A cada noite, os lobisomens escolhem um outro jogador e o matam; a vítima sai do jogo. Na manhã seguinte, os sobreviventes decidem se suspeitam de alguém; se um dos sobreviventes for votado como culpado, ele é linchado e também sai do jogo. Naturalmente, os lobisomens participam da discussão e da votação, apresentando-se como humanos, procurando lançar suspeitas sobre jogadores humanos e procurando evitar que lobisomens sejam condenados.

As jogadas noturnas e diurnas vão se alternando, até que morram todos os lobisomens (vitória dos humanos) ou todos os humanos (vitória dos lobisomens).

Como costuma acontecer, a primeira partida teve um ritmo relativamente lento, até que os jogadores se acostumassem às regras e aos seus papéis; as partidas subsequentes foram mais ágeis. Não houve nenhum problema – exceto pelos que Adriano provocou, e que eu tinha combinado com ele antes da aula.

Minha intenção era que Adriano agisse como um agente provocador, criando situações problemáticas que podem ser encontradas em dinâmicas de grupo na vida real. Na primeira partida, Adriano comportou-se como os demais jogadores. Na segunda, ele trapaceou de forma sutil. Na terceira, ele trapaceou de forma ostensiva. E, na quarta, ele bagunçou completamente o jogo, sem sequer se preocupar com a vitória. Em todos os casos, os participantes do círculo externo podiam ver claramente o que estava acontecendo.

Após cada partida, discutimos o impacto que estes diferentes comportamentos podem ter sobre uma dinâmica de grupo. Adriano tinha comentado comigo, desde o início, que ele queria poder mostrar a seus alunos algumas situações que eles poderiam enfrentar, em sua prática profissional, como psicólogos. Desta maneira, procuramos mostrar os efeitos da participação, em um grupo, de pessoas que violam as regras do grupo, e especialmente de pessoas que sequer reconhecem a existência do grupo.

Foi uma experiência bem interessante, e os debates que se seguiram a cada partida foram bastante ricos. Adriano ficou bastante satisfeito; espero que tenha sido uma atividade proveitosa para seus alunos.

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LC, o Quartelmestre

Também conhecido como Luiz Cláudio Silveira Duarte. Escritor, poeta, pesquisador, jogador, polímata, filômata... está bom para começar.