Palavras e magia

8 de Jan de 2018

No dia 5 de dezembro último, tive o prazer de assistir às palestras de um evento muito interessante — Sentidos: Negociações e Diálogo —, organizado pelo Departamento de Literatura e Linguística da UFPR. Duas das palestras trataram de assuntos que tangenciam propostas e afirmações “politicamente corretas”.

Estas palestras foram proferidas pelo professor Luiz Carlos Schwindt, da UFRGS, e pela professora Maria Helena de Moura Neves, da UNESP. A primeira discutia a percepção comum de que a língua é  machista ; a segunda discutia a própria ideia do discurso politicamente correto, colocando o foco em exemplos literários.

É interessante chamar a atenção para a própria expressão  politicamente correto  — “political correctness”, no original em inglês. Ela começou como uma expressão pejorativa, usada como uma referência direta ao discurso aprovado pelo partido (“party line”) dos comunistas históricos. O uso desta expressão ganhou o mundo a partir da década de 1980.

Por mais que a expressão seja relativamente recente, a ideia que a fundamenta é mais antiga. Em sua palestra, a professora Moura Neves mencionou uma situação familiar aos que acompanham a política brasileira: o uso da forma de tratamento “Vossa Excelência” nos discursos parlamentares.

Esta forma de tratamento é determinada pelos regimentos das nossas casas legislativas, já há muitas décadas. Um de seus objetivos é tornar mais civilizado o debate parlamentar, procurando, ao menos, impedir que os nobres representantes do povo usem o baixo calão em suas discussões.

Por sua natureza e por suas circunstâncias, não pode haver discurso mais político e mais correto do que este.

Acho que ninguém ficará surpreso em saber que aquele louvável objetivo não é alcançado. A professora Moura Neves lembrou um episódio célebre, quando a deputada Ivete Vargas aparteou o deputado Carlos Lacerda, dizendo-lhe “Vossa Excelência é um purgante!”", recebendo a réplica  E vossa Excelência é o resultado!  Muitos outros exemplos, frequentemente menos inspirados e bem menos cordiais, ornam as páginas das atas parlamentares.

Claramente, aqui, o discurso revela-se incapaz de mudar a realidade — e esta é uma tentativa que vem de muitas décadas mais que os discursos politicamente corretos mais recentes.

Mas vou mergulhar bem mais no passado. Somos fascinados com a linguagem. Isso não é de surpreender; esta é, provavelmente, A ferramenta que nos transformou de uma espécie primata africana pouco expressiva em uma espécie que ocupou e está consumindo toda a biosfera.

Este fascínio aparece em muitos documentos antigos. O Gênesis menciona que uma das tarefas de Adão foi dar nomes aos animais.  Esta era uma forma de evidenciar o domínio do homem sobre eles.

As tradições esotéricas e mágicas guardam muito desta ideia. Muitas delas consideram que cada pessoa tem um nome secreto, seu nome verdadeiro, e conhecê-lo concede poder mágico sobre a pessoa. O conceito de  “palavras mágicas”, ou palavras de poder, é bastante familiar, e continua muito presente em nossa cultura — desde uma simpatia com o nome da pessoa amada até o adesivo de carro que proclama “todo o mal está amarrado em nome de Jesus”.

As palavras representam o mundo. O maior fundamento da magia é a crença de que, mudando-se a representação, muda-se a realidade que ela representa.

Dizer que o mal está amarrado em nome de Jesus afasta o mal.

Escrever o nome da pessoa amada em um papel, como parte de uma simpatia, ganha o seu amor.

Chamar um desafeto de  Vossa Excelência  cria urbanidade.

Chamar um homem negro de afrodescendente elimina o racismo.

Usar  x  ou  @  em uma palavra como  meninxs  faz com que as crianças cresçam sem preconceitos de gênero.

A taxa de sucesso histórica das práticas mágicas não parece estar sendo modificada pelos métodos atuais.

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LC, o Quartelmestre

Também conhecido como Luiz Cláudio Silveira Duarte. Escritor, poeta, pesquisador, jogador, polímata, filômata... está bom para começar.