A língua machista
Retomando a questão do gênero gramatical, sob a perspectiva do chamado “machismo da língua”, hoje eu estava pensando em um ângulo da perspectiva histórica.
Estudos em linguística comparada mostram muito claramente que os pressupostos que embasam discussões sobre este “machismo da língua” não fazem sentido: por exemplo, há línguas que não marcam gênero e são faladas em sociedades extremamente machistas, há línguas nas quais considerações de sexo não se refletem nos gêneros gramaticais, etc. Mesmo estudos em linguística dentro de uma mesma língua desmentem estes pressupostos — penso nos estudos do prof. Luiz Schwindt, da UFRGS, por exemplo.
Historicamente, a associação entre sexo e gênero gramatical foi uma invenção de Protágoras, um filósofo pré-socrático (aprox. 490-420 aC) — e de uma maneira retomada pelos ativistas de hoje!
Aristóteles conta, na Retórica (1407b6-7), que Protágoras afirmava que o gênero gramatical de uma palavra tinha que refletir o seu sentido. No verso que abre a Ilíada (“Cantai, ó deusa, a cólera de Aquiles”), Protágoras dizia que “cólera” não podia ser uma palavra do gênero feminino (no português como no grego), porque se referia a um sentimento que é peculiar a homens e não a mulheres…
Protágoras não logrou sucesso em sua tentativa de reformar a língua grega para que “fizesse sentido”. Isso não impediu que outros tentassem ao longo do tempo, com igual sucesso.
Mas o ponto realmente irônico desta história é que, ao tempo de Protágoras, a homossexualidade masculina era vista como completamente natural, mesmo elogiável — e o próprio Aquiles era um dos exemplos desta orientação. Nem por isso Protágoras defendia que diferentes orientações sexuais — o que hoje seriam chamadas “gêneros sociais” — tinham que ser refletidas por diferentes gêneros gramaticais.
Do ponto de vista da linguística, a proposta de Protágoras não fazia sentido sequer em sua língua nativa, e não fazia sentido tampouco do ponto de vista social — tanto é que caiu no vazio.
Aprender com a história, infelizmente, é para poucos…
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