Fazendo a cabeça

28 de Mai de 2019

Leio entrevista do general Augusto Heleno ao Valor. Destaco inicialmente um trecho, no qual o general compara as manifestações do domingo, dia 26, com as manifestações da quarta-feira, dia 15:

As pessoas foram às ruas, nesse domingo, pelo Brasil, e naquele outro domingo [sic] foram para satisfazer suas posições ideológicas.

A certa altura, respondendo a uma pergunta da jornalista:

Quando o governo fala da doutrinação nas salas de aula, há pesquisas sobre isso, levantamento, relatórios?
Nossa senhora! Tem muita coisa, só WhatsApp e vídeo no YouTube tem uns 300.

É terrível ler que o ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional recorre a WhatsApp e YouTube para formar suas convicções sobre este assunto. Infelizmente, não é a única coisa terrível a ler nesta entrevista.

Ao longo da entrevista, o general Heleno ainda faz outras comparações desfavoráveis a estudantes e professores. Em uma delas, compara as depredações que viu, em suas confiáveis fotos de WhatsApp, nas universidades, com a limpeza e a ordem nas academias militares. A culpa disso, claro, é da “ideologia” e da “doutrinação”.

Pois muito bem. Mantendo a mesma comparação feita pelo general Heleno: as academias militares baseiam-se, integralmente, na doutrinação dos cadetes na ideologia de amor à pátria. Deixo muito claro que não considero isso condenável, muito ao contrário. Mas o problema não é que sejam ideologias e doutrinações: claramente, o problema é que sejam ideologias e doutrinações das quais se discorda.

Isso, aliás, fica claro em outro trecho da entrevista, no qual o general Heleno diz que é perfeitamente lícito estudar as teorias comunistas, desde que a pessoa não acredite nelas.

Talvez o pior trecho da entrevista seja quando o general Heleno diz que os manifestantes do dia 15 não estavam pensando no Brasil, mas em satisfazerem “seu lado ideológico, pessoal”, para a seguir equiparar universidades a “partidos e agremiações”.

Chega.

Esta entrevista e as ideias trevosas ali expostas pelo general não são um fenômeno isolado, mas são a marca de toda uma perspectiva deste governo sobre o ensino – especialmente o ensino superior, especialmente o ensino público.

É especialmente doloroso para mim, que sempre tenho as Forças Armadas em alta conta, ler que um general-de-exército acredita que as universidades não são mais do que uma agremiação, afirmando que estudantes e professores não demonstram pensar no Brasil.

Não é necessário envolver-se em nossa bandeira para pensar o nosso país, nem as palavras “ordem e progresso” são suficientes para este pensar. É muito fácil proclamar o respeito à democracia e às liberdades de pensamento e de expressão, quando as ideias expressas são apenas aquelas com as quais se concorda.

Castro Alves cantou a mácula que a escravidão dos corpos deixou sobre nossa bandeira. Não aceito, agora, que as nossas cores sejam usadas para encobrir a infâmia e cobardia da escravidão das almas.

Auriverde pendão de minha terra, Que a brisa do Brasil beija e balança, Estandarte que a luz do sol encerra E as promessas divinas da esperança… Tu que, da liberdade após a guerra, Foste hasteado dos heróis na lança Antes te houvessem roto na batalha, Que servires a um povo de mortalha!..

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LC, o Quartelmestre

Também conhecido como Luiz Cláudio Silveira Duarte. Escritor, poeta, pesquisador, jogador, polímata, filômata... está bom para começar.