A política do spam
Comecei a usar a Internet em 1994. Foi alguns anos antes da grande explosão da Internet comercial. À época, a Internet já era uma ferramenta de trabalho essencial para muitos pesquisadores por todo o mundo. Os principais meios de comunicação pela Internet eram em modo texto: correio eletrônico (e-mail) e a Usenet.
A Usenet era um conjunto de grupos de discussão sobre os assuntos mais variados: humanities.classics, rec.games.board, soc.culture.african, talk.politics… As mensagens eram em texto puro, sem recursos como negrito ou imagens. Os emojis ainda não existiam; mas já existiam os emoticons, como : ) para indicar um sorriso.
E foi na Usenet que surgiu o spam…
Na origem, o spam era a marca de uma carne processada e enlatada, como a presuntada. Foi muito consumida na Inglaterra durante a 2a Guerra Mundial, por causa do racionamento. E serviu como a base para um esquete famoso do Monty Python, em 1970. Neste esquete, um grupo de vikings começava a cantar spam, spam, spam, spam e o seu canto impedia qualquer outra conversa.
Na Usenet, o termo spam passou a se referir a mensagens idênticas, postadas em uma grande quantidade de grupos, e sem qualquer relevância para os temas daqueles grupos – frequentemente, publicidade de alguma coisa. Estas mensagens inundavam os grupos da Usenet, e as conversas relevantes para os seus temas ficavam perdidas em meio ao spam.
Um fenômeno bem próximo do spam era o troll – alguém que postava mensagens inapropriadas em um grupo, frequentemente ofensivas, irrelevantes ou agressivas. Trolls muitas vezes usavam as táticas dos spammers e inundavam os grupos sob seu ataque, mais uma vez impedindo qualquer conversa relevante para aquele grupo.
Spammers e trolls mudaram sua forma de atuação, mas continuam muito presentes na Internet.
Toda esta digressão histórica serviu apenas para estabelecer a base para uma reflexão sobre a política em tempos de redes sociais.
Esta reflexão é simples: estamos vendo, nos últimos anos, o uso do spam e dos trolls como armas políticas.
Políticos como Bolsonaro e Trump fazem isso de forma costumeira. Todos os dias, escrevem ou falam alguma canalhice, alguma mentira deslavada, alguma ilegalidade. Seus exércitos de seguidores, robóticos ou humanos, imediatamente se põem a repetir aquilo, como os vikings do esquete. Os meios de comunicação tradicionais e as redes sociais ficam inundados pelo spam e pelos trolls que o espalham, abafando qualquer outra discussão ou assunto.
Como lidar com isso? Não sei. No início do século XX, os meios de comunicação de massa – rádio, cinema, jornais – passaram a ser usados como arma política por extremistas, e os conflitos resultantes quase destruíram as democracias.
Agora, os novos meios de comunicação criam um desafio equivalente. Extremistas de todos os gêneros conseguem facilmente se encontrar no mundo virtual, e passam a coordenar suas atividades. Todos exigem o respeito a suas ideias e manifestações – o mesmo respeito que consistentemente violam e rejeitam aos que não pertencem a sua gangue.
O paradoxo da tolerância com os intolerantes está cada vez mais agudo, e precisamos urgentemente aprender a resolvê-lo.
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