A COVID-19 e a histeria

blog 17 de Mar de 2020

Sim, a reação a esta pandemia pode ser chamada de “histeria”. Isso não quer dizer que esteja errada.

Em todos os países do mundo nos quais o vírus está identificado, os resultados mostram que há muitas mais pessoas infectadas do que as que são identificadas. Países que realizam mais testes com sua população (Coreia do Sul) identificam quase todos, paises que quase não realizam testes (EUA, Brasil) podem ter dezenas mais de infectados do que os identificados. O paciente que morreu ontem, em São Paulo, era o porteiro de um edifício no Paraíso, em São Paulo. Estava doente há dias. O vírus somente foi identificado após a sua morte. Seus familiares, vários deles idosos, não conseguem sequer ser atendidos, muito menos testados, para avaliar a possibilidade de infecção.

Tudo bem, a maior parte das pessoas infectadas não será grandemente afetada pelo vírus. Mesmo os que desenvolverem sintomas da COVID-19 vão sofrer efeitos semelhantes aos de uma gripe, talvez um pouco mais forte.

Todos eles serão vetores para a disseminação do vírus. Conforme uma das estimativas, uma pessoa infectada – assintomática ou não – pode infectar 2 a 3 pessoas. Para comparar, uma pessoa infectada com o vírus da gripe infecta, em média, 1.3 pessoas.

Como dizia o professor A. Bartlett, um dos desastres da humanidade é não entender o crescimento de uma função exponencial.

É claro que outras doenças matam mais. Outros problemas matam mais. Conforme o país, pode escolher: acidentes de trânsito, homicídios, outras doenças, falta de condições sanitárias, fome… Temos um farto cardápio para escolher.

Mas mortes não são o pior. A morte é definitiva e nós, como espécie, bem ou mal sabemos lidar com ela.

Em 2019, nas rodovias federais, tivemos 11.671 acidentes sem vítimas, e 55.756 acidentes com vítimas (fonte).

5.332 mortes.

79.051 feridos.

Quase quinze vezes mais feridos do que mortos.

Os dados da CNT não mostram quantos destes feridos tiveram ferimentos leves, graves ou gravíssimos. Mas todos eles demandaram algum esforço dos nossos diversos sistemas de saúde – em muitos casos, os ferimentos exercem efeitos por meses, ou por toda a vida.

Homicídios são muitos, verdade. Quantas são as lesões corporais, em comparação com estes números?

O mesmo exercício pode ser feito com quaisquer das outras causas de morte que escolhermos. Os mortos são chorados, mas são enterrados, cremados…

Os vivos demandam atenção e cuidados. Mesmo os desenganados, os moribundos. E especialmente aqueles que ainda têm alguma chance de não morrer.

Um parêntese. Em guerras, franco-atiradores muitas vezes preferem ferir e não matar um soldado inimigo. Um soldado morto é um homem a menos. Um soldado ferido, gritando de dor e se esvaindo em sangue, está fora de combate, mas também vai demandar os esforços de companheiros para ser salvo, e para ser medicado. Uma bala reduz quatro ou cinco soldados do efetivo inimigo. E causa um efeito psicológico muito maior…

É verdade, poucos vão morrer por causa da COVID-19. Poucos… em comparação com o total de infectados.

Uma taxa de mortalidade de 3% em mil pessoas são trinta mortes. Nem se comparam aos mortos no trânsito nas rodovias federais, no ano passado.

A mesma taxa de mortalidade em um milhão de pessoas são trinta mil mortes. Quase seis vezes mais do que aqueles mortos no trânsito. O Brasil tem uma população de mais de duzentos milhões de pessoas…

Volto aos feridos. Para cada morto pela COVID-19, quantos precisaram de cuidados nos hospitais? Pelo menos uma internação – e os casos mais graves, meros 5% dos casos identificados, exigem cuidados intensivos. Respiração mecânica constante. UTIs equipadas. Monitoramento constante.

O Brasil tinha, em 2016, pouco menos de 500 mil leitos hospitalares, dos quais 41 mil eram leitos de UTI, para adultos e para crianças (fonte). Pessoal treinado como intensivista: 11.563 médicos, 2539 enfermeiros, 4.557 técnicos de enfermagem.

Aquela taxa de 5% em mil pessoas infectadas seriam cinquenta leitos de UTI… mas um milhão de infectados vão exigir mais leitos de UTI do que o disponível em todo o país.

E nenhuma daquelas outras causas de morte, de ferimentos e de doenças vai deixar de exercer os seus efeitos. A taxa de ocupação dos leitos adultos atuais é de 80% (fonte).

Verdade, a COVID-19 não é mais forte do que uma gripe – pelos menos para a maior parte dos infectados pelo seu vírus. Verdade, estão acontecendo muitas reações histéricas. Estão erradas?

Façam as contas e respondam.

Palavras-chave

LC, o Quartelmestre

Também conhecido como Luiz Cláudio Silveira Duarte. Escritor, poeta, pesquisador, jogador, polímata, filômata... está bom para começar.