Problemas e riscos do Pix
Nos últimos dias, venho refletindo e conversando sobre o Pix, a nova forma de transferência de dinheiro pela Internet. A conveniência e a ausência de tarifas bancárias o tornam atraente, mas há riscos sérios com ele.
Uso de uma chave
A expressão “chave” é absolutamente imprópria aqui. Uma chave é algo privado – mas a “chave” do Pix precisa ser pública! Ela não é uma chave de segurança, e sim o seu endereço digital para receber dinheiro (não para enviar; volto a isso mais abaixo). Se você quer receber dinheiro, você tem que informar a sua “chave” Pix.
Portanto, usar o número do CPF como “chave” Pix é um erro sério. Infelizmente, o CPF se transformou em uma espécie de identificador geral do cidadão brasileiro. Saber o CPF de uma pessoa permite a um agente mal intencionado causar uma série de problemas a esta pessoa.
Melhor que usar o CPF é usar um endereço de e-mail ou um número de celular, já que estas informações são públicas por natureza.
Não pense na “chave” Pix como uma chave, ou um código. Ela é o seu endereço. Como sua chave, use uma informação que possa ser conhecida por pessoas que você não conhece.
Falta de limites
Uma das conveniências do Pix, insistentemente apontada e divulgada, é o fato de não ter limites de valores, de poder ser realizado em qualquer dia da semana, e a qualquer hora do dia. Imediatamente.
Vamos a um pouco de memória. Há alguns anos, havia muitas notícias de sequestros-relâmpago. A vítima era forçada a usar seu cartão de banco, para sacar uma quantia em um caixa eletrônico, e entregá-lo aos criminosos. Por conta do alto número de crimes desta natureza, o Banco Central estabeleceu limites reduzidos para saques em horários noturnos.
Agora, nem mesmo é necessário ir a um caixa eletrônico. A vítima pode ser forçada a transferir, imediatamente, de seu celular, a quantia exigida pelos criminosos. O risco é ainda aumentado por outra característica inerente ao Pix, como foi criado, e que exponho a seguir.
Adesão desnecessária
Por mais que os bancos e o governo federal falem em “aderir” ou “autorizar” o Pix, esta “adesão” é necessária apenas para receber valores. Mesmo quem não tem uma “chave” registrada pode enviar dinheiro pelo Pix: o que importa é que o destinatário lhe informe a sua “chave”.
Isso quer dizer que, no cenário criminoso imaginado acima, basta que o criminoso informe a sua “chave” de recebimento. A vítima pode nunca ter feito um Pix na vida. Não importa, fará o primeiro sob ameaça.
Anulação das operações
As transferências pelo Pix são imediatas. Em tese, conforme o que li nos jornais, transferências criminosas podem ser anuladas, e o dinheiro pode ser devolvido. Isso apenas quer dizer que os criminosos não vão deixar o dinheiro parado nas contas de recebimento, mas que vão transferi-lo imediatamente para outras – se necessário, fazendo um encadeamento de contas. Ou vão usar imediatamente o dinheiro.
É claro que há inúmeros outros crimes que podem usar o Pix como meio. Estelionato, por exemplo. Extorsão. Corrupção.
O Banco Central criou um sistema de transferência imediata e conveniente. Conveniente para as pessoas de bem, e muito mais conveniente para os criminosos.
O que fazer?
Por enquanto, há pouco a fazer. Algumas ideias: não usar aplicativos bancários no celular, mas apenas em um computador; ou ter dois celulares, e não levar o celular que tem estes aplicativos para saídas noturnas.
Em nosso país, apelar para nossos parlamentares e expor estas preocupações é perda de tempo. Infelizmente.
Especulação
O Pix não foi criado para a conveniência do público. Tudo indica que ele foi criado para aumentar a digitalização da economia, e portanto para facilitar o controle financeiro do governo E dos bancos. Paulo Guedes, sistematicamente, toma decisões que beneficiam os bancos em detrimento do público. Esta é só mais uma.
Profecias
Faço três profecias. A primeira: depois que pessoas o bastante passarem a usar o Pix, em algum momento os bancos serão autorizados a cobrar taxas pelo seu uso. Provavelmente, o motivo alegado será o de que pessoas demais passaram a usar o sistema, e que isso consome recursos computacionais dos pobres bancos. É o mesmo método de todo traficante: as primeiras doses são de graça, para as demais você tem que pagar.
A segunda: as modalidades de transferência atuais (DOC e TED) deixarão de existir, ou se tornarão de uso mais difícil, para “incentivar” ao uso do Pix.
Por fim: depois que muitos problemas acontecerem, e depois que houver muitas vítimas – mas, sempre, depois que o Pix estiver disseminado --, haverá limites para as transações, para a proteção das pessoas honestas.
Dramaturgia de encerramento
“O que é o roubo de um banco, comparado com a criação de um banco?”
– Bertolt Brecht, Macheath (ato 3, cena 3).