Organização
Organizando tempo e informações.
Esta é uma série de artigos sobre o meu fluxo de trabalho para pesquisa e produção de textos. A primeira parte da série apresentou uma visão geral; as demais detalham ferramentas e funções do fluxo.
Organização
A primeira ferramenta a discutir não é um programa de computador: é a sua capacidade de organização.
Não pretendo ensinar você a se organizar. Cada pesquisador tem a sua maneira de trabalhar, de pesquisar, de agrupar a informação de forma a poder usá-la melhor.
Mas, qualquer que seja a organização que você adote, ela tem que ser seguida. Não basta você resolver fazer fichas de todos os livros e artigos relevantes, se você não fizer isso. Regularmente. Constantemente.
Qualquer que seja a sua organização, ela tem que ser viável para você. Por exemplo, se a maior parte do seu trabalho é feita em campo, com um celular, não faça sua organização depender de programas que rodam apenas em seu notebook.
Não pense que a sua organização é estática e imutável. Na verdade, é útil planejar flexibilidade nela, para que você possa adaptá-la a diferentes circunstâncias. Mesmo um pesquisador experiente pode ter que mudar sua organização habitual para um novo trabalho.
E isso nos leva a um ponto importante. É certo que você já tem material de pesquisas e textos anteriores. Nada do que eu vou falar aqui invalida este material. Nem quero recomendar que você os transforme, ou recodifique, para ajustá-los às novas ferramentas que vou apresentar aqui. Isso poderá até ser necessário, em alguns casos – por exemplo, um livro, ou artigo, que você consulta e cita com frequência.
Mas eu realço o ponto que mencionei acima. Flexibilidade é uma grande vantagem. Neste ponto, o uso de formatos aberto ajuda bastante. Como eu já mencionei na primeira parte, converter um arquivo de formato aberto em um de formato proprietário é trivial – por exemplo, abrir um arquivo .TXT no Word, ou inserir uma imagem .JPG em um documento. Mesmo que, no futuro, a Microsoft mude novamente o formato dos documentos Word, esta capacidade não vai desaparecer – justamente porque são formatos abertos. Então, você não perde nada em usar estes formatos, e pode ganhar muito tempo e esforços futuros.
Arquivos
Já que falei em arquivos digitais, passo ao próximo ponto relevante para organização das informações: a estrutura de armazenamento dos arquivos.
Qualquer que seja o sistema operacional que você use, seja em um computador ou em um celular, você tem a possibilidade de criar “pastas”, ou “diretórios”, nos quais gravar seus arquivos. Uma pasta pode conter tanto arquivos quanto outras pastas, em uma estrutura hierárquica de árvore. Por exemplo:
Dissertação
*
*–Dados
* *
* *–Entrevistas
* * *
* * *– 1ª fase
* * *
* * *– 2ª fase
* *
* *–Questionários
*
*–Texto principal
*
*– Ilustrações
Muito importante: tenha uma pasta dedicada a cada projeto, com subdivisões conforme seja preciso. Isso facilita consideravelmente a sua vida – por exemplo, se você precisar fazer uma cópia para trabalhar em outro equipamento. No exemplo acima, as pastas Dados e Texto principal poderiam estar na minha pasta Documentos – mas junto com inúmeras outras pastas, sobre os assuntos mais variados. Pior ainda se não estiverem no mesmo “nível” – por exemplo, se a pasta Dados estiver na pasta Documentos\Pesquisa\2021\Campo\Dados.
Como eu mencionei na primeira parte, recomendo o uso do git
para armazenar os arquivos de uma pesquisa. Este tipo de estrutura, ilustrado acima, funciona perfeitamente com um repositório git
. A pasta inicial, ou “raiz”, é o próprio repositório.
O uso do git
ainda atende a outras três funções essenciais para o seu trabalho: acesso remoto, cópias de segurança, e controle de versões.
Acesso remoto
Eu mencionei, acima, que não é conveniente depender de programas que rodam em um notebook, se a sua ferramenta de trabalho habitual é um celular. Mas aqui não trato de programas, e sim de suas informações. Por exemplo: você está fora de seu local de trabalho habitual, mas quer consultar uma imagem, ou um arquivo .PDF. Se o arquivo estiver em outro equipamento, você somente consegue fazer este tipo de acesso se tiver montado uma infraestrutura informática para isso – o que pode ter custos significativos, para além de riscos de segurança.
Mas, se você mantém os dados em um repositório git
– por exemplo, no GitLab ou no GitHub –, você pode ter acesso a estes dados a partir de qualquer aparelho conectado à Internet.
É claro que existem outras maneiras de fazer isso. Menciono três muito populares: o GoogleDrive da Google, o OneDrive da Microsoft, e o DropBox. As três são muito parecidas entre si; especialmente para quem usa Windows, poder criar uma “pasta” sincronizada com um destes serviços pode ser bastante sedutor. Outras vantagens são a possibilidade de trabalho em equipe (especialmente com o GoogleDrive e os GoogleDocs), e a integração com o Microsoft Office (no caso do OneDrive).
Questão de escolha. O git
também permite trabalho em equipe – não apenas ele foi feito exatamente para isso, como ainda tem embutido nele mecanismos muito eficientes de comunicação entre os membros de uma equipe.
Mas noto que o uso de uma “pasta” remota não é tão simples quanto parece. Especialmente quando o seu conteúdo é grande, pode haver demora na sincronização. Este tipo de serviço pode funcionar melhor para cópias de segurança, embora também aqui o git
seja superior.
Cópias de segurança (back-ups)
Shit happens. Acidentes acontecem. Às vezes, o cachorro realmente come o seu dever de casa. Ou o seu pen drive cai em um bueiro. Ou o seu notebook frita. Ou você apaga o que não devia. Ou…
Não interessa a causa do problema. Muito mais útil é saber como você vai resolvê-lo. Ah, você tem uma cópia de segurança? Excelente. Quando foi atualizada pela última vez? Ah, mês passado… tudo bem, você só tem que refazer o trabalho de um mês então.
Muitas pessoas fazem cópias de segurança “manualmente” – por exemplo, copiando em um pen drive. De vez em quando. Quando lembram.
Um amigo meu voltou de uma especialização na Itália com três cópias de sua pesquisa, cada uma em um disquete (sim, faz tempo). Não sei se ele cometeu algum erro na gravação, mas o fato é que, quando chegou ao Brasil, descobriu que os três disquetes estavam imprestáveis. Acontece…
Primeira recomendação: quando fizer uma cópia de segurança, qualquer que seja o meio para isso, faça um teste para recuperar informação da cópia.
Melhor que fazer cópias “manualmente” é automatizar isso de alguma forma. Por exemplo, colocando tudo na pasta sincronizada do DropBox, ou no GoogleDrive. O git
também funciona bem para isso, embora a sua maneira de funcionar não seja tão “transparente” quanto a de uma pasta sincronizada. Conforme o seu nível de paranoia, você pode também querer contratar um serviço de back-ups na nuvem (eu mesmo uso o CrashPlan).
Fazer cópias de segurança é essencial – elas não se chamam cópias de segurança à toa. Segurança das suas informações, do seu trabalho, da sua tranquilidade.
Mas vamos pensar na cópia de segurança como algo mais do que apenas uma “fotografia” do estado mais recente do meu trabalho. Vamos colocá-la como parte integrante do fluxo de trabalho. É aqui que o git
brilha – no controle de versões.
Versões
Já vi isso muitas vezes. Abro a pasta de trabalho de um amigo, e encontro lá oito versões diferentes de DOCUMENTO.DOCX
. Se ele é uma pessoa pouco organizada, os nomes podem ser algo como DOCUMENTO.DOCX
, DOCUMENTO 2.DOCX
, DOCUMENTO FINAL.DOCX
, DOCUMENTO FINAL REVISADO.DOCX
, DOCUMENTO 3 FINAL.DOCX
. Boa sorte daqui a um ano, quando quiser voltar a estes documentos e determinar qual foi a versão submetida.
Se ele é mais organizado, os nomes podem ser DOCUMENTO.DOCX
, DOCUMENTO 10 de abril.DOCX
, DOCUMENTO 25 de fevereiro.DOCX
. E, se ele é muito organizado, os nomes podem ser 2020-11-10 DOCUMENTO.DOCX
, 2020-12-02 DOCUMENTO.DOCX
, 2021-02-08 DOCUMENTO.DOCX
.
Estes últimos nomes, com o nome começando pela data no formato ano-mês-dia, têm a grande vantagem de serem automaticamente organizados em ordem crescente de datas, quando colocados em ordem alfabética. Por isso falei em ele ser “muito organizado”. No exemplo anterior,DOCUMENTO 10 de abril.DOCX
aparece antes deDOCUMENTO 25 de fevereiro.DOCX
em ordem alfabética.
Manter as versões anteriores ajuda – porque é muito comum precisarmos voltar atrás, procurando uma informação que estava em uma versão anterior de nosso trabalho. Mas note que, nestes casos esboçados acima, não há pistas sobre o conteúdo de cada documento: cada um deles terá que ser aberto, para localizar o ponto de nosso interesse.
Este é o controle “manual” de versões. Assim como no caso das cópias de segurança “manuais”, este controle depende de você fazê-lo. Se você somente cria uma nova versão por mês, seu documento atual não vai ter algo que você escreveu há duas semanas e apagou há uma semana – e nem o documento de versão anterior. O mesmo se aplica a cópias feitas no DropBox ou no GoogleDrive.
Um verdadeiro controle de versões vai preservando todas as versões intermediárias. O git
faz isso: cada operação commit
grava a versão como se encontra naquele momento, e o git
guarda a memória de todas as operações e alterações. Ele foi desenvolvido especificamente para esta função, e a desempenha bastante bem.
Além disso, você não precisa guardar oito arquivos separados. Mantenha apenas um arquivo; as versões anteriores estão automaticamente preservadas.
O git
ainda tem meios para ajudar a controlar o que muda de uma versão para outra. Mas isso depende mais diretamente de você. Por exemplo, se você recebeu uma avaliação revisada de seu texto, e vai fazer as correções necessárias, é útil indicar isso – porque o git
não tem como adivinhar. Uma maneira é usando as issues do git
. Ou as mensagens das operações de commit
.
De forma geral, quanto melhor você documentar o que está fazendo e porque está fazendo, mais fácil será o seu trabalho no futuro.
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