Improvisando
Trocando ideias com um dos meus confrades, lembrei de um episódio em 1983. Eu havia passado no concurso para ser controlador de tráfego aéreo (civil), e estava em São José dos Campos para o curso de formação.
As primeiras aulas práticas do curso, simuladas, eram de torre de controle. Nosso instrutor selecionou o aeroporto de Brasília para ser a nossa base. Um mapa do aeródromo ficava na parede da sala de simulação. Em cada momento, um dos alunos da turma era o controlador, e os demais controlavam aeronaves na área de atuação da torre.
Hoje, o aeroporto de Brasília – SBBR – tem duas pistas de pouso, paralelas: 11R/29L e 11L/29R. Boas pistas, cada uma com pouco mais de 3 km de comprimento. Há trinta anos, havia apenas uma pista, a atual 11L/29R – na época, 10/28. É ela quem aparece na foto acima, parcialmente sob o ícone no centro da imagem. A foto não mostra a nova pista, que estaria mais para baixo na imagem.
Nossa turma já havia concluído a parte teórica do curso – regulamentos aeronáuticos, física de aeronaves, navegação, meteorologia, etc. A parte prática era o momento de aplicar estes conhecimentos, sob as mais diversas circunstâncias. O instrutor frequentemente criava situações de emergência, para testar as nossas reações.
Uma destas aconteceu quando eu era o controlador. Uma aeronave estava alinhada para pouso, quase tocando o solo, e outra aeronave chamou, declarando pane de combustível – prioridade absoluta. Mandei a aeronave em emergência alinhar para pouso, e mandei a primeira aeronave livrar a pista, ou arremeter – mas o instrutor interveio e declarou que a aeronave havia quebrado o trem de pouso na pista, e não conseguiria sair dela, criando um bloqueio.
Duas possibilidades “normais”: consultar a aeronave em pane de combustível se conseguiria circular a pista e pousar pela outra cabeceira, ou tentar pousar além da aeronave que bloqueava a parte inicial da pista. Como a pista de Brasília é extensa, e era uma aeronave de pequeno porte, um piloto real provavelmente escolheria a segunda opção. Em todo caso, a decisão seria do piloto.
Mas eu puxei uma terceira resposta do bolso do colete. O piloto estava alinhado para pousar na pista 10, então dei ordem a ele que pousasse na pista 10R – ou seja, pousasse na pista à direita da pista de pouso, a pista de táxi! Brasília tem uma pista de táxi perfeitamente paralela à pista principal, como mostra a imagem abaixo.
O piloto declarou o pouso, provavelmente para evitar que o instrutor criasse mais algum problema. O instrutor, por sua vez, acionou a sirene de fim da simulação, e me mandou explicar o que eu tinha feito.
Puxei da estante o manual com toda a documentação do aeroporto, que eu havia pegado emprestado para ler. Isso não era usual nem esperado, já que o nosso aeroporto era apenas uma simulação. Mas eu sempre gostei de ler manuais de equipamentos e sistemas que uso…
Um dos documentos mencionava que, alguns anos antes, a pista do aeroporto havia sido reformada. Antes da reforma, para que o aeroporto não fosse fechado, a pista de táxi havia sido reforçada, para funcionar como uma pista de pouso auxiliar, com capacidade para aeronaves até o tamanho de um Boeing 727. O manual mencionava que a pista ainda poderia ser usada em caso de emergência. Durante a simulação, eu verifiquei que a pista de táxi estava vazia, e por isso dei a ordem para o piloto.
O instrutor ficou bastante surpreso – ele mesmo não tinha lido o manual, e nunca tinha trabalhado na torre Brasília --, mas me parabenizou pelo estudo e pela resposta.
Fiquei satisfeito: não precisei trapacear para vencer meu Kobayashi Maru.