A estranheza
Ontem, fui a Curitiba. Por força da natureza de meu compromisso, retornei mais tarde do que é meu costume, pelo último ônibus do dia.
Dormi por quase todo o percurso; só acordei quando o motorista me chamou, já no ponto final. Eram quase onze da noite.
Estou morando aqui há menos de três meses; a rua da minha casa já é familiar o suficiente para que eu pense nela como “minha rua”.
Ontem, acordado de um sono profundo, eu caminhava pela rua e não a achava nada familiar. No horizonte, as luzes dos navios; sob meus pés, as pedras sobre as quais caminho todos os dias, meu caminho iluminado pelas mesmas estrelas e pelos mesmos postes de outras noites.
Mas eu via estranheza.
De onde vinha ela?
Num repente, entendi: eu olhava para a rua e via estranheza, mas a estranheza não estava na rua, e sim em mim mesmo.
O sono me entorpecia mente, espírito, corpo. Eu não chegava a tropeçar ou cambalear, mas meu passo não era o passo seguro que habitualmente adoto.
Eu mantenho uma indagação perene sobre os nossos vieses, sobre características externas e internas que modificam as nossas percepções e as nossas ideias. A estranheza de uma rua familiar me revelou a força de mais um viés.
A pergunta é inevitável. Onde mais estou cambaleando, afetado por um sono do qual acordo com dificuldade?
Esta é uma pergunta, e não uma preocupação. Não vou perder o sono com ela.
Mas talvez sonhe…