Escrevendo e desencanando

18 de Jun de 2023

Estou desenvolvendo um novo projeto de software, juntamente com amigos do grupo Ludus Magisterium. Para os testes com arquivos, usei a minha dissertação de mestrado. Seguiu-se uma conversa interessante com o Geraldo Xexéo:

GX> Interessante sua dissertação […] Trabalho muito bem desenvolvido na metodologia, e devo dizer que fiquei com inveja do Design.
LC> Obrigado! Confesso que hoje acho minha dissertação muito fraca… mas uma coisa que aprendi é a não ficar querendo reescrever os textos do passado.
GX> Cara, todo mundo acha a dissertação/tese fraca KKKK. Desencana isso.

Fiquei pensando nisso. É claro que eu, ou qualquer outra pessoa, pensa isso de seus trabalhos acadêmicos de fôlego, quanto mais tempo passa. A razão é simples: nós continuamos a aprender!

Quando eu pego um livro que li há vinte anos e o releio, descubro nele muita coisa que já estava ali, mas que eu não havia me dado conta. É isso – eu não sou mais o mesmo leitor de vinte anos atrás. Da mesma maneira, oito anos depois que concluí minha dissertação, não sou mais o mesmo autor / pesquisador.

Ainda bem – isso mostra que não fiquei parado no tempo!

O processo de escrita da minha dissertação teve aspectos interessantes. Meus primeiros esboços, enquanto cursava as disciplinas do mestrado, foram difíceis, custosos mesmo. Meu orientador não podia atuar diretamente nisso – em parte por falta de tempo, em parte porque seu foco naquela altura era na condução da minha pesquisa, não na elaboração do texto.

Minha sorte foi estar casado com Adelaide. Ela é uma excelente pesquisadora e orientadora, mas estas qualidades não eram diretamente relevantes para este meu problema. Ela desempenhou outro papel: o de primeira leitora (first reader).

Muitos anos antes disso, eu havia lido um livro sobre a escrita de textos de ficção científica, que recomendava que todo autor devia procurar ter um primeiro leitor. Não alguém para dizer o que ele deve escrever, muito menos para revisar: o primeiro leitor é a “cobaia” do texto, alguém que vai abordar o novo texto e dizer o que entende ali, e especialmente para indicar pontos onde algum aperfeiçoamento é necessário.

Eu mencionei, acima, que os meus primeiros esboços foram penosos e insatisfatórios. Quando apresentei um deles à Adelaide, ouvi dela algumas coisas que tiveram um impacto gigantesco sobre o meu trabalho.

Ela focou na maneira com a qual eu me expressava. Escrevia em terceira pessoa, em um estilo formal, quase pomposo – o que eu imaginava ser o “estilo acadêmico”. E ela me falou que isso é uma bobagem. Sua principal recomendação foi de que eu procurasse usar o texto como se estivesse explicando as minhas ideias para uma pessoa específica: alguém inteligente, mas que desconhecesse o assunto.

Foi uma conversa reveladora e decisiva. Passei a escrever em primeira pessoa, e orientei o meu texto justamente no sentido de explicar as minhas ideias. Sim, uma dissertação tem alguns elementos formais necessários; mas o cerne dela é a exposição e a defesa de algumas ideias.

Ao fim e ao cabo, descobri uma coisa muito importante. Escrever não é difícil. Mais difícil é começar a escrever… e muito mais difícil é aceitar o que escrevemos. Então, acato o conselho do Geraldo — e desencano!

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LC, o Quartelmestre

Também conhecido como Luiz Cláudio Silveira Duarte. Escritor, poeta, pesquisador, jogador, polímata, filômata... está bom para começar.