Arcanum imperii
O "segredo do império" revelado: as regras somente funcionam se as fazemos funcionar.
Conquanto a morte de Nero tivesse sido recebida inicialmente com manifestações de alegria, ela suscitou emoções variadas, não apenas na cidade, entre os senadores, o povo e os soldados, mas também entre todas as legiões e generais; pois o segredo do Império estava agora revelado, que um imperador podia ser criado fora de Roma.
Esta passagem famosa das Histórias, de P. Cornelius Tacitus (I, 4) refere-se à acessão de A. Vitellius, em 68 dC. Foi a primeira vez que as legiões proclamaram um novo imperador; não seria a última vez.
O arcanum imperii de Tacitus, o “segredo do império”, foi resumido séculos depois, de forma mais geral, pelo general Douglas MacArthur: “regras são feitas principalmente para serem desrespeitadas”.
A “regra”, segundo a qual imperadores somente poderiam ser feitos em Roma, funcionou como regra apenas enquanto as pessoas consentiam nela. Quando Vitellius e suas legiões se recusaram a se sujeitar a esta regra, ela não tinha qualquer capacidade intrínseca de se fazer obedecer.
Nenhuma regra tem este poder. Todas as regras precisam ser implementadas por pessoas. Todas as regras são criadas por humanos… e podem ser modificadas, emendadas, ignoradas, violadas, revogadas, destruídas por humanos.
O mesmo segredo foi revelado, muitas vezes, ao longo da história. Nós frequentemente nos refugiamos em regras; mas, segundo William A. Ganoe, a frase completa de MacArthur foi “regras são feitas principalmente para serem desrespeitadas, e é muito comum que os preguiçosos se escondam atrás delas.”
Nos últimos dois séculos, nossa cultura refugiou-se no que chamamos o Estado de Direito. Conforme este princípio, todos os membros de uma sociedade – inclusive os governantes – sujeitam-se à lei, de forma igualitária.
Mas o que acontece quando os governantes – as pessoas com poder – decidem violar deliberadamente a lei, mesmo ostensivamente, mesmo se jactando disso? A lei não pode se opor a eles por si mesma. Regras não conseguem se autoimplementar.
O problema não é novo. Voltamos ao tempo de Tacitus, mas agora para lembrar das Sátiras de D. Iunius Iuvenalis (Satura VI, linhas 347-348). Quis custodiet ipsos custodes? Quem vigia os vigilantes?
Não apenas o problema não é novo: ele já era velho ao tempo de Tacitus e Iuvenalis. Não temos respostas definitivas para ele, se é que tais respostas são possíveis.
Existem diferenças entre leis e regras de jogo, neste ponto? De forma geral, não. Se um grupo de jogadores decidir jogar Buraco sem coringas, não vai aparecer uma polícia dos jogos em sua porta, para obrigá-los a jogar com coringas. Existem muitos role-playing games que declaram, abertamente, que suas regras podem e devem ser mudadas. É desta liberdade que surgem regras caseiras (house rules), variantes, e muitos novos jogos.
Jogos digitais apresentam um desafio interessante aqui. Embora as regras nestes jogos também sejam criadas por humanos, elas são implementadas por dispositivos digitais, que têm controle completo sobre o ambiente do jogo – o círculo mágico no qual o jogo acontece.
Ainda estamos descobrindo se isso cria novas perguntas, ou se apenas traz novas perspectivas a perguntas muito antigas.
Este artigo é a tradução, para o português, de um artigo que publiquei no Medium: https://quartelmestre.medium.com/arcanum-imperii-89534208891f.