Prestidigitações

Agradecendo a benevolência do Estado brasileiro.

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Nestes últimos dois dias passei por uma montanha-russa de emoções.

Na semana passada, recebi um e-mail circular da direção do Senado, dando notícia de uma lei publicada recentemente, que resultou em aumento de uma das rubricas dos contracheques dos servidores do Senado, com efeitos retroativos a fevereiro do ano passado; os valores devidos seriam pagos ontem, dia 30.

O fato é que esta legislação não se aplica ao meu caso… mas isso eu somente descobri hoje, depois de passar os últimos dois dias em cólicas, tentando entender o que estava acontecendo. Nem ideia de porque raios eu recebi o maldito e-mail.

As rubricas do meu contracheque são o fruto de colisões entre normas obscuras e siglas cabalísticas. Mas há um ponto importante – que não é exclusividade do meu caso, nem de longe, e sim uma características intrínseca à estrutura remuneratória dos funcionários públicos.

Trata-se da criação de “vantagens”, “adicionais”, “suplementos”, “parcelas”, “diferenças”, “compensações”, “gratificações”, “acréscimos”,… o tesauro de termos eufemísticos é certamente inesgotável. O ponto comum a todos é simples: por uma prestidigitação legal, eles não são remuneração. Logo, não se aplica a eles a regra constitucional que impede a redução da remuneração. Logo, eles podem ser modificados / alterados / reduzidos / removidos / transformados / consumidos / destruídos / convertidos / subsumidos / desincorporados por qualquer nova prestidigitação.

Anos antes de eu me aposentar, mais de metade dos meus vencimentos brutos vinha de rubricas com esta natureza. À medida que o tempo foi passando, as prestidigitações foram transformando esta conta; hoje elas representam vinte por cento dos meus vencimentos brutos. Conforme as normas atuais, elas não apenas não estão sujeitas a reajustes, como ainda “absorvem” os reajustes – ou seja, quando minha categoria recebe um aumento de X reais, estas rubricas diminuem em X reais.

Mas isso não é uma redução da minha remuneração. Não mesmo! Não senhor! O Estado brasileiro jamais faria isso com seus trabalhadores.

Não é uma redução da sua remuneração, porque o dinheiro que lhe entregamos todo mês não é uma remuneração. Logo, não pode ser reduzido. Mesmo que fosse remuneração, não poderia ser reduzido…

… mas poderia ser modificado / alterado / reduzido / removido / transformado / consumido / destruído / convertido / subsumido / desincorporado.

E lembre de agradecer a nossa benevolência.



2024 Luiz Cláudio Silveira Duarte https://quartelmestre.com
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