Sonhando acordado
Há alguns dias, tive a alegria de conversar com meu amigo Adriano para a primeira entrevista do podcast The Rules Lawyer. Foi uma conversa muito rica, muito agradável.
Uma das suas consequências foi me provocar uma ideia. Durante a conversa, Adriano e eu falávamos sobre a visão utilitarista do jogo, muito comum, que sempre tenta dar uma “utilidade” ao jogo – tipicamente, como uma ferramenta pedagógica. O trecho que me despertou a ideia está aos 53’29’'.
Adriano: … a ideia do pedagógico, aqui, eu uso como metáfora para uma autoaprendizagem, para uma auto-observação… é uma possibilidade que eu tenho de me perceber fazendo coisas que, em situações normais, eu não estaria fazendo, até porque… tem uma dimensão mágica, no jogo, que é o fato de retirar da rotina. É uma coisa que a gente não costuma falar muito, mas que hoje, no mundo contemporâneo, ela é central: a rotina, ela nos captura, de uma forma um tanto quanto brutal… a ponto da gente estar naquilo que o Byung-Chul Han vai chamar de “sociedade do cansaço”… nós estamos vivendo uma sociedade da exaustão. Hoje, com esta coisa do virtual, com esta coisa da demanda que nos está entubada em termos de trabalho. O jogo me retira deste lugar da rotina, e me permite olhar para esta rotina de um modo crítico. Ou seja, me permite um reconhecimento psicológico que, eventualmente, no cotidiano eu não tenho.
Estas palavras do Adriano imediatamente me remeteram a algumas ideias sobre os sonhos. É possível que uma das funções do Sonhar seja justamente este reexame e reconhecimento de situações vivenciadas.
Pensando nisso, notei vários pontos de contato entre o Sonhar e o Jogar. O sonho tem um espaço e um tempo definidos, assim como o jogo – no jogo, este locus é o Círculo Mágico identificado por Huizinga. Dentro do sonho, as regras do mundo cotidiano não valem – exatamente como acontece dentro do Círculo Mágico. No sonho e no jogo, temos a possibilidade de fazer coisas que normalmente não fazemos. Um e outro nos aparecem como ferramentas que podemos usar para o reexame e o reconhecimento que o Adriano mencionou.
Mesmo pensando na característica mais marcante dos jogos, as regras, há um paralelo notável entre sonhos e jogos. À primeira vista, podemos supor que os sonhos não têm regras. Pode ser que sim, mas eu diria que a situação é outra: nós ignoramos quais sejam as regras dos sonhos – e isso não quer dizer que não existam. Em muitos jogos digitais, os jogadores também ignoram as regras – mas elas existem!
Por enquanto, isto é uma especulação, talvez uma provocação e ponto de partida para maiores reflexões.
Mas é tentador perceber o Jogar como o Sonhar – com os olhos abertos.