Tininha
A história de uma gatinha mais forte que a adversidade. Texto publicado originalmente no blog Felinos Felizes.
Nesta madrugada perdemos a companhia de Tininha. Nossa pequena companheira dividia nosso quarto conosco. Há agora um vazio sobre a cama, onde antes havia uma gatinha.
Felinos Felizes é um blog para falar dos nossos amigos felinos, e assim não vou me deter sobre a nossa dor. Quero falar um pouco da história da Tininha, e do que isso significa para nós, humanos.
Tininha e seus irmãos foram abandonados em um esgoto, no caminho para o aeroporto de Curitiba. Não sabemos quanto tempo ficaram ali. A ninhada foi levada para o Beco da Esperança — mais uma ninhada abrigada por quem protege os que outros abandonaram.
Já não lembro o que houve com seus irmãos. Mas Tininha foi ficando no Beco. Em suas visitas, Adelaide reparou na esperta gatinha tricolor, e percebeu que ela não crescia como outros gatinhos.
Sempre que Adelaide retornava do Beco da Esperança, comentava sobre a pequena gatinha tricolor. Após algum tempo, decidiu-se a pedir permissão à Lúcia, e levou a Tininha para uma avaliação na Clinivet, com a dra. Lília.
A avaliação revelou que Tininha abrigava, em seu pequeno corpo, uma infinidade de problemas. Ectoparasitas, fungos, infecções, talvez mesmo princípios de tumores. A dra. Lília comentou que mal sabia por onde começar a tratar a pequena gatinha esperta.
Mantivemos Tininha em nossa casa, enquanto durou o tratamento. Isolada dos demais gatos, e Adelaide usava luvas cirúrgicas para cuidar dela, para que os outros não corressem riscos.
Aos poucos, Adelaide e a dra. Lília conseguiram debelar a maior parte dos problemas que afligiam Tininha. E decidimos que Tininha continuaria em nossa casa.
Estávamos começando a apresentar Tininha a seus novos irmãos felinos, quando um novo exame revelou que Tininha era portadora do FIV (feline immunodeficiency virus, ou vírus de imunodeficiência felino). É o equivalente do HIV, que em humanos provoca a AIDS.
Tininha não poderia ficar em companhia dos demais gatinhos da casa. Havia o risco de ela contrair algum vírus ou bactéria deles, que seu organismo não conseguisse combater. Havia o risco de ela contagiar os demais com o FIV.
Tininha passou a ficar em nosso quarto, com a porta sempre fechada. Tomávamos cuidado em só permitir que ela fosse brincar no gatil quando os outros não estavam lá, e vice-versa. Claro, ela passou a compartilhar nossa vida de forma muito mais direta que seus irmãos. Dormia em nossa cama, enrodilhada entre nós. Brincava e nos caçava. Instalamos alguns brinquedos felinos para a gatinha bonsai.
Ficava sempre muito evidente que Tininha era mais que uma companheira. Era uma guerreira. Ainda filhote, lutou sozinha, por meses, com um conjunto de problemas de saúde que teriam matado em poucos dias um gato adulto. Isso lhe custou a energia de que precisava para crescer, e por isso sempre foi muito pequena. Ela empregou esta energia em sobreviver. Quando começamos a ajudá-la, ela conseguiu crescer um pouco. Mas era ela quem lutava, nós apenas ajudávamos.
Há pouco tempo, o precário equilíbrio de seu organismo começou a oscilar novamente, e ela afinal não conseguiu mais continuar sua luta. Ontem, eu a levei para a Clinivet, e a dra. Lília pediu que ela ficasse lá. Fomos visitá-la à noite. Ela estava em uma incubadora, para poder receber calor e oxigênio. Ela estava muito prostrada, mas ainda conseguia abrir os olhos. Pudemos perceber que ela ficou feliz com os carinhos.
Despedi-me dela, sabendo que dificilmente a veria novamente. Ela morreu em paz, cercada de cuidados e de carinho; a equipe da Clinivet sempre se desvelou com ela, e só tenho agradecimentos e elogios para eles. Mas cuidados e carinho não seriam capazes de salvá-la ou de curá-la, e a razão é simples.
Tininha foi assassinada.
Ela foi assassinada por alguém que jogou no esgoto uma ninhada de gatinhos recém-nascidos. Alguém que preferiu matar meia dúzia de filhotes a ter um pouco de trabalho.
Foi um assassinato frio e demorado, com vítimas diretas e indiretas. Tininha viveu cerca de dois anos. Ter vivido este tempo foi sua resposta ao assassino que queria sua morte dias após ter nascido. Tenho orgulho de ter ajudado esta gatinha a dar esta resposta.
Já tive muitos gatos. Durante anos, eu os criava soltos. Deixava que fossem para a rua, confiando neles. Hoje já não faço isso; nossa casa tem telas nas janelas, e tomamos um extremo cuidado em não permitir que nossos gatinhos saiam para a rua. Conseguimos, assim, protegê-los um pouco.
Protegê-los de nossa espécie, o pior predador que este planeta já viu. O predador que inventou a crueldade, e que a pratica com gosto.
Foram humanos que assassinaram Tininha. Também foram humanos os que a ajudaram a viver por dois anos.
Nós somos capazes de muitas coisas, boas e terríveis. O que toca a cada um de nós é procurar escolher as boas.
Durma bem, Tininha.