Um adeus
Encerrando uma fase da vida.
Encerra-se hoje uma fase da minha vida.
Minha primeira habilitação como motorista foi emitida em 18 de dezembro de 1982. Eu tinha dezoito anos, e estava acabando o primeiro semestre do curso de Processamento de Dados na UnB; os três semestres anteriores tinham sido em meu mal-iniciado curso de Medicina. Meu pai me deu um fusquinha, que usei no primeiro semestre de 1983 para ir à universidade. Mas, quando segui para São José dos Campos no segundo semestre de 1983, deixei o carro em Brasília, e meu pai o vendeu. Voltei no ano seguinte, e fiquei sem carro por alguns anos.
Meu carro seguinte foi uma Brasília bem usada, que se acabou numa noite, em um acidente na estrada, voltando de Alto Paraíso para Brasília. Somente depois que me casei, em 1991, voltei a ter um carro – outro fusquinha bem usado.
Tive bons e maus carros. Especialmente quando a família estava grande, tive carros também grandes – uma Besta, alguns Doblòs. Só os usava na cidade, mas as necessidades de transporte da família eram tamanhas que os meus carros sempre foram muito rodados. Tenho a lembrança de ter calculado que rodava mais de cem mil quilômetros por ano, pelos primeiros anos deste século.
Nunca dei muita atenção a carros, e nunca fui bom motorista. Facilmente perdia a concentração. Quando passei a dirigir para meus filhos, procurei redobrar a atenção, devido à carga preciosa que levava. Mas estava sempre tenso, consciente das minhas limitações.
Para piorar, passei a sofrer os duplos efeitos da apneia de sono e das ausências do transtorno esquizotípico. Durante algum tempo, dirigir era arriscado – para mim, para meus passageiros, para terceiros. Na fase mais aguda dos problemas, contratei um motorista.
Foi um carro o único bem com que saí de Brasília e do meu primeiro casamento; deixei para trás a casa que havíamos construído, debalde confiando que seria o lar de minhas filhas. Com este carro, aprendi a dirigir em Curitiba – algo inusitadamente complicado para quem havia dirigido apenas em Brasília por vinte e sete anos. Entrei em meu segundo casamento com este carro; quando o casamento acabou, saí dele com outro carro, deixando para trás a casa que eu havia comprado e que pagara por seis anos. Era o ano da pandemia; vendi o carro, acreditando que logo iria para Portugal.
O plano de emigrar ficou para trás. Estou há quatro anos sem carro. Neste meio tempo, peguei alguns carros para dirigir. O resultado não foi nada bom. Várias vezes, me peguei dormindo ao volante, e uma vez isso me levou a causar danos ao carro (da Bel). Não me machuquei, felizmente, nem causei danos ou ferimentos a qualquer outra pessoa. Quando meu pai e Laila vieram me visitar, há dois anos, concordei em dirigir para eles, mas especificando que precisava que mantivessem a conversa comigo. Não tivemos problemas, felizmente, nem para vir de Curitiba, nem para voltar para lá.
Foi a última vez que dirigi. Tenho pouco uso para um carro, especialmente agora que estou de volta a Pontal do Sul. Claro que teria sido conveniente ter um, por exemplo, para as idas e vindas a Paranaguá, quando namorei a Vilma. Mas, justamente, seria uma conveniência, não uma necessidade.
O prazo de validade da minha habilitação atual é hoje. Não fiz qualquer movimento para renová-la, e não tenho qualquer intenção de fazê-lo no futuro. Os sinais de perigo foram claros; não vou me colocar em risco, e certamente não vou colocar outros em risco.
Hoje, dou adeus às rodas.