À sombra de Notre-Dame
Foi há pouco mais de um ano e meio. No início da tarde de 15 de abril, li estupefato a notícia sobre o incêndio que estava destruindo a parte superior de Notre-Dame, a catedral de Nossa Senhora de Paris.
Hoje cedo, eu estava vendo o vídeo de um concerto realizado na catedral, em 2014, em memória do maestro Claudio Abbado. Era o Réquiem de Berlioz. Junto com a música, eu me emocionava vendo as cenas internas de Notre-Dame.
Ainda não visitei a França. Mas estive lá, muitas vezes, em pensamentos, levado pelas letras de tantos autores, e pelas cenas de tantos filmes.
Notre-Dame está sendo restaurada, mas ainda não é possível garantir que a sua estrutura suporte as obras. Espero ainda poder vê-la.
Troquei várias mensagens, com meus amigos, durante aquela tarde de abril. Aqui no Brasil, as notícias do dia eram mais desmandos do STF e mais meandros judiciais da crônica político-policial. Em França, orava-se nas ruas próximas ao Sena. Recuperei mensagens de três dos meus amigos. Todos eles haviam visitado Notre-Dame, mais de uma vez.
Nunca me esqueço de uma missa, ali, com coro e cravo. Chorava bastante.
Se não for criminoso (o que acredito ser bem possível) o incêndio, é bem simbólico. Como a França abriu mão de ser uma nação cristã… nada mais representativo dessa sua opção. O prédio não foi construído para ser outra coisa a não ser um templo cristão. Se não mais há cristãos. É um fim digno para o prédio. Muito pior seria se transformar em uma casa de espetáculo (o que já vinha acontecendo) ou um templo mulçumano. Algo que poderia ocorrer nos próximos 50 ou 100 anos. A França optou, orgulhosamente, pelo ateísmo. Que seja.
Meu filho esteve comigo em Notre Dame. Anos depois, foi a uma missa lá. Natal, talvez. Ele, que nunca teve nenhuma educação religiosa, contou-me o quanto se emocionou.
Lembro que, naquele dia, a tristeza pela destruição em Notre-Dame ficou pequena diante da minha tristeza, do meu desespero, com os sentimentos expostos na segunda mensagem, acima.
Fui educado como católico. Nunca tive fé; deixei de ser cristão há décadas. Não tenho respostas nem certezas para as grandes questões existenciais.
Tampouco tenho respostas para as questões pragmáticas do cotidiano. Mas tenho algumas certezas. Uma delas é a do diálogo. Sempre necessário, especialmente quando difícil ou custoso. Especialmente entre pontos de vista diversos. E sempre, sempre, quando nossos pontos de vista e nossos pressupostos são contestados.
Como espécie e como pessoas, nós aprendemos com o diálogo, e nos condenamos à morte sem ele.