Anotações arcanas
Rápidas anotações sobre os RPGs, escritas para uma amiga.
RPGs parecem mesmo ser algo arcano, reservado a iniciados. Mas esta é uma falsa impressão: já explico de onde ela vem.
Primeiro, quero dar uma ideia geral sobre o que é um destes jogos. É a criação coletiva de uma narrativa, de forma cooperativa. A parte G da sigla – game – vem do fato de que esta criação não é completamente livre, mas está sujeita a regras.
Mas é um jogo sem vitória e sem vencedores. Ele se aproxima do ideal do jogo infinito – exatamente como a vida, o objetivo é continuar a jogar… continuar a contar a história. Em RPGs, dificilmente paramos no “viveram felizes para sempre”. Assim como na vida, sempre há novos desafios a vencer, novas histórias a narrar.
Como em muitas narrativas, há diferentes personagens – diferentes papeis a desempenhar na história. Aí está a parte R da sigla – role (em inglês, um papel em uma trama). Alguns destes papeis são dos protagonistas, os jogadores da partida. A parte P da sigla está aí – play, jogar.
Na forma mais comum dos RPGs, um dos jogadores tem um papel especial. É o mestre do jogo. Cada um dos outros jogadores tem um papel apenas, o seu personagem. Já o mestre controla todos os outros papeis necessários para a história, desde um humilde varredor de rua até o Grande Imperador de Todas as Galáxias.
Existem muitas regras diferentes de RPGs; geralmente chamamos “sistemas” a estes conjuntos de regras. Uma regra muito comum: os jogadores não podem decidir o que outros personagens fazem, podem decidir apenas o que os seus personagens fazem. Assim, se eu sou um jogador em uma partida, não posso dizer “Meu personagem recebe um telefonema com uma informação importante” – porque eu não controlo quem quer que seja que daria o telefonema.
De forma geral, o mestre vai colocando os desafios da trama para os demais jogadores, mas o ponto crucial é que ele não tem a história pronta: ele tem apenas um esboço. O desenrolar da narrativa vai depender das decisões conjuntas dos jogadores.
E aqui chego ao ponto que mencionei no primeiro parágrafo: o motivo de parecer algo misterioso, reservado a iniciados. É a decorrência normal de pessoas que compartilharam uma experiência marcante, desconhecida por outras pessoas. Uma experiência fictícia, claro, mas nem por isso menos significativa.
Jogo RPGs há mais de 35 anos. Posso afirmar, com toda certeza: é muito, muito comum que os jogadores nem mesmo conheçam as regras do sistema com que estão jogando. Porque o que importa é tomar decisões como o personagem tomaria. O mestre toma conta das regras, possivelmente auxiliado por um ou dois jogadores mais experientes. Mas jogadores novatos nunca são problema.