Bibliotecas
Conhecendo uma nova biblioteca, lembrando de outras.
Há poucos dias, eu estive na biblioteca do SESC na 504 Sul. Foi mais um dos eventos de RPG do grupo D30, e fui lá para mestrar uma divertida aventura de Paranoia.
Mas, antes de começar, eu passei um pouco entre as estantes.
Minha relação com bibliotecas é antiga e rica; falei um pouco sobre isso em outro texto. Passear entre as estantes desta biblioteca me trouxe recordações maravilhosas, revendo nas prateleiras amigos velhos e novos; e também me provocou reflexões sobre as mudanças que vejo acontecer à minha volta.
Há, ali, diversos computadores e uma excelente sala de vídeo. A primeira vez que vi uma sala multimeios (hoje aportuguesamos o “multimídia”) foi na biblioteca central (BCE) da UnB, outro lugar onde passei muitas horas encantadas. Era uma sala apartada, com acesso estritamente controlado; hoje, na biblioteca do SESC, os computadores ali estão, como outras tantas ferramentas de disseminação do conhecimento.
Lembro de uma ocasião na qual eu e alguns amigos usamos uma mesa da BCE para jogarmos uma partida de Diplomacy. Fomos gentilmente convidados a parar, pois “era proibido jogar ali”. Ignoro se a norma realmente existia, ou se foi algo criado naquele momento; mas não deixa de ser irônico que, hoje, a mesma BCE abrigue um espaço dedicado especialmente a jogos e outras atividades correlatas.
Ignoro se há quadrinhos na BCE, mas havia vários na biblioteca do SESC.
Nos anos 1990, quando houve o primeiro encontro internacional de RPG em São Paulo, o convidado de honra era Steve Jackson, criador do GURPS. Algum tempo depois do evento, ele escreveu em sua revista que havia ficado maravilhado com o conceito de “gibiteca”, que ele conhecera em São Paulo. Nos EUA, quadrinhos eram considerados apenas um pouco menos perniciosos que pornografia, publicações perigosas que pervertem as inclinações das crianças. O que deixou Steve encantado foi perceber a ideia fundamental por trás das gibitecas: se as crianças querem ler quadrinhos, vamos ajudá-las — o importante é que leiam!
Eu mesmo tive acesso a muitos quadrinhos, desde muito jovem, incentivado por meu pai, que teve o mesmo incentivo em sua infância; a magia das letras se faz sentir mesmo quando estão rodeadas por ilustrações, afinal.
Aqui no Brasil, o preconceito contra os quadrinhos não tem a mesma força que nos EUA, mas também está muito presente. Já o vi, muitas vezes, sob as formas mais diversas — “você ainda lê gibis?!?”, por exemplo. Mas a ocasião mais chocante em que o encontrei foi há alguns anos, quando me candidatei a um doutorado em Literatura. No texto dissertativo da prova, usei quadrinhos para exemplificar um argumento. Fui reprovado, e mais tarde um dos professores da banca mencionou a minha resposta, e disse que eu fui “muito ousado” por mencionar quadrinhos… isso, poucos meses depois de uma renomada pesquisadora da USP fazer uma concorrida palestra, na mesma universidade, sobre os quadrinhos como obras literárias.
Não importa. Felizmente, aí estão as bibliotecas e as gibitecas, as salas de multimeios e os espaços pop. Assim como qualquer maneira de amor vale a pena, também vale qualquer maneira de congregar pessoas com a alegria do conhecimento.